O Ti Samuel... de uma das mais antigas famílias da Praia de
Mira (e, depois, da Praia da Vieira... e do Tejo, na Ria de Lisboa, etc, etc.):
Em qualquer fenda, num tronco, sob uma folha um insecto
encontra seguro tecto onde se possa abrigar...
Até nas plagas ignotas do oceano infinito entre as rochas se
abriga o peixe do mar...
Um réptil, uma fera, qualquer animal mesquinho que a
natureza contém...
Todos têm o seu asilo, num canto qualquer guarida, que a
esperança não perdida...
Apanhei tantos naufrágios nesse mar… Sei lá… E agora sou
excluído da pensão de reforma como pescador...
Será que terei de morrer à fome em terra…? Quando afinal de
contas ia tantas vezes a morrer no mar...
Não tenha eu contribuído para a pátria como todos os
outros…?
E agora…? A vida continua. Oxalá que a vida venha longa...
Toda a vida trabalhei no mar. Apanhei tantos naufrágios...
Agora sou excluído da reforma de pescador...
Não morri no mar porque não calhou… Não sei... já nem me
lembro… Matosinhos e tudo…! Naufrágios… Levei tantos... E eu não morri lá...
Nas Companhas: Costa de Lavos e tudo... E na Enseada de
Buarcos… Vagueira… sei lá…! Remava em todos os lugares… Revezeiro na proa…
Quando acabava a temporada, a campanha… Ia para o Alentejo,
cavar terras para arroz… Cortei mato nas lezírias, e sei lá... Vila Franca de
Xira, Ribatejo, sei lá...
Para não morrer à fome, tinha que trabalhar, e sustentar
mais ou menos os meus irmão, que não tinham Pai… e agora, estou aqui a
arriar...
Não tenho coragem para pedir... Não posso... e há senhores
que estão para aí… andaram-nos a gastar o fisco deles por o Brasil e essa coisa
toda… E têm reformas, têm tudo... Sei lá porquê... Será batota…?
Não morri no mar porque não calhou… E agora em terra...
Para ouvir clicar aqui.
Via Cemar.
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