Sorrateiramente, devagar, muito devagar mesmo, hoje voltou-me a vontade
de ler poesia.
Estou a pensar num livro que requeira tempo, um
autor e textos que me apeteçam ler, como costumava fazer há anos atrás,
retornar a um dos que mais gostei, dos que passaram pela minha vida.
Hoje, para além de ser sábado, é um dia diferente. Talvez
por isso, apetece-me voltar ao primeiro
contacto que tive com a poesia de O'Neill.
O’Neill tinha um ar natural e irreverente.
É um poeta e foi um homem que negou sempre o “modo
funcionário de viver”.
Foi um homem e é um poeta transbordante de
sonhos e sedento de realidades submersas.
Talvez por isso, foi em vida - e continua - incompreendido e
votado ao esquecimento.
Foi esse o preço que
pagou por se ter recusado diluir numa qualquer poesia do populismo fácil.
Ele passou ao lado desse tipo de poesia pobre, decadente e
estéril. Rejeitou a fórmula cor-de-rosa de ver a realidade: o lado obscuro do
real existe, mas não é poeticamente estético descrevê-lo.
Quem ousa levantar a poeira, paga um preço alto - e ele fazia-o.
Fica um poema, para mim de um poeta fora do comum, de que
gosto especialmente: Alexandre O'Neill.
Entre a
cortina e a vidraça
Vem o tempo de varejeira
entre a cortina e a vidraça.
O tempo assim à minha beira!
Que é que se passa?
E eu,que estava tão enredado
nos baraços do eternamente,
nos lacetes do já passado,
sou esfregado contra o presente.
A varejeira é nacional.
Terei, assim, de preferi-la?
Ora! É a mosca-jornal
- e já agora vou ouvi-la...
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