quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Tornar visível o que se perdeu no jornalismo local

Naíde Muller

"O jornalismo local não é um adorno do ecossistema mediático, é o seu alicerce mais discreto e, talvez, o mais fragilizado. A acumulação de funções, as horas prolongadas e as redações caseiras que sobrevivem precariamente, muitas vezes apenas por sentido de missão dos jornalistas, são, no jornalismo local, uma realidade ainda mais preocupante. São estes profissionais e projetos que mantêm viva a ponte entre o poder local e a vida quotidiana. Quando esses espelhos se embaciam, o que se perde não é apenas notícia: é a visibilidade pública das regras que nos governam.

O quotidiano da integridade joga-se perto de casa: na contratação municipal, nas obras públicas, nas decisões de urbanismo ou nos apoios às associações locais.

É neste território que o jornalismo de proximidade cumpre a sua função mais silenciosa: traduzir políticas em histórias compreensíveis, dar rosto às decisões e contexto às dúvidas. O jornalismo local não serve apenas para informar, é uma infraestrutura de cidadania. Permite que os cidadãos vejam reconhecidas as suas preocupações e saibam que existem olhos atentos ao que acontece na sua comunidade. Quando essa mediação desaparece, o espaço é ocupado por percepções fragmentadas, rumores e interpretações políticas que facilmente distorcem o sentido do real. As percepções moldam a forma como avaliamos a justiça e a ética pública. Em sociedades saturadas de mensagens, o que as pessoas acreditam ser verdadeiro influencia tanto a confiança nas instituições como os factos em si. Quando as histórias locais deixam de ser contadas com rigor, instala-se a sensação de que os problemas não têm solução ou de que "tudo é igual". Essa percepção de impunidade corrói silenciosamente o contrato social. A ausência de relatos comunitários de escrutínio fragiliza o sentido de pertença cívica e alimenta o afastamento das pessoas em relação à vida pública. Desembaciar o espelho não é fazer mais ruído, é devolver sentido ao que se vê."

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