Ana Sá Lopes
"O Ministério Público tem que explicar aos portugueses porque é que as escutas dos militares da GNR e de um elemento da PSP suspeitos de estarem implicados num esquema de imigração ilegal no Alentejo não foram transcritas. Houve tempo
para isso: aparentemente, estavam a ser escutados há um
ano.
O que é que aconteceu para não
terem sido transcritas? Durante
um ano não houve funcionários
capazes para o fazer? Os
procuradores esqueceram-se? No
Expresso da Meia-Noite da
SIC-Notícias, na passada
sexta-feira, o advogado Manuel
Magalhães e Silva chegou a dizer
que as escutas não foram
transcritas "de propósito".
Isto é particularmente grave porque se
está a falar de crimes de quase
escravatura contra imigrantes.
Eu sei que a opinião pública
inflama-se com mais virulência
relativamente às escutas algo
irrelevantes em que António Costa
foi "apanhado" (não era o
primeiro-ministro que estava sob
escuta) publicadas pela revista
Sábado. Sabe-se que o
procurador-geral da República,
Amadeu Guerra, pôs um processo
aos jornalistas e que a
Procuradoria sugeriu que teria
sido a defesa dos arguidos a
quebrarem o segredo de justiça.
Mais grave do que as escutas de
Costa, está a ausência de escutas por falta de transcrição- que
permite que os militares da GNR e
um membro da PSP, que teriam
alegadamente o papel de
"capatazes" junto dos
empresários traficantes de
imigrantes, tenham voltado esta
semana ao trabalho.
Como as provas do
envolvimento das forças de
segurança no crime eram
essencialmente escutas e as
escutas não foram transcritas
como manda a lei, os 10 militantes
da GNR e um elemento da PSP saíram sob termo de identidade e
residência (a menor das medidas
de coacção) e estão de novo nos
seus postos.
Repare-se no absurdo: estas
pessoas suspeitas de terem
violado a lei de forma vil neste
momento são os defensores da
autoridade do Estado perante
violações de lei.
Felizmente, não
moro no Alentejo senão estaria
seriamente assustada.
O Pedro Candeias já fez um
editorial sobre este assunto - de
facto, "escutado ninguém
acredita". Mas exige-se uma
resposta do Ministério Público.
Houve aqui um erro clamoroso
que pode permitir,
inclusivamente, a continuação da
actividade criminosa.
Estamos a falar de pessoas
extremamente vulneráveis, como
são os imigrantes sem papéis, que
eram "controlados e vigiados" e
inclusivamente "ameaçados"
pelas forças de segurança ao
serviço do empregador.
No comunicado de 25 de
Novembro, a GNR diz que "tudo
fará para que os autores sejam
criminalmente responsabilizados"
e que na Guarda Nacional
Republicana "não há lugar para pessoas cujo comportamento
possa corromper o compromisso
de honra e exemplaridade ética"
que os militares assumiram
"perante a sociedade e os
cidadãos".
A IGAI - Inspecção Geral da
Administração Interna já abriu
um inquérito aos suspeitos. Só
que, por causa de uma
indesculpável acção do Ministério
Público, afinal na GNR "há lugar
para pessoas cujo comportamento
possa corromper o compromisso de honra". O regresso ao trabalho
destes militares sob suspeita é de
uma imensa gravidade e põe em
causa a confiança dos cidadãos
nas forças de segurança.
Agora, a ideia de que o
Ministério Público não tem que
dar justificações sobre a Operação
Safra Justa e a inconcebível não
transcricão das escutas não é
aceitável num Estado de direito
democrático. O perfil de Amadeu
Guerra inicialmente contrastou
com o da sua antecessora. Parecia
disposto a explicar melhor o
trabalho do Ministério Público de
que é a figura cimeira. A ideia
parece ter-se desvanecido."

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