segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Safra Justa: quem não transcreveu as escutas dos militares da GNR e do agente da PSP?

Ana Sá Lopes

"O Ministério Público tem que explicar aos portugueses porque é que as escutas dos militares da GNR e de um elemento da PSP suspeitos de estarem implicados num esquema de imigração ilegal no Alentejo não foram transcritas. Houve tempo para isso: aparentemente, estavam a ser escutados há um ano. O que é que aconteceu para não terem sido transcritas? Durante um ano não houve funcionários capazes para o fazer? Os procuradores esqueceram-se? 
No Expresso da Meia-Noite da SIC-Notícias, na passada sexta-feira, o advogado Manuel Magalhães e Silva chegou a dizer que as escutas não foram transcritas "de propósito". 
Isto é particularmente grave porque se está a falar de crimes de quase escravatura contra imigrantes. Eu sei que a opinião pública inflama-se com mais virulência relativamente às escutas algo irrelevantes em que António Costa foi "apanhado" (não era o primeiro-ministro que estava sob escuta) publicadas pela revista Sábado. Sabe-se que o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, pôs um processo aos jornalistas e que a Procuradoria sugeriu que teria sido a defesa dos arguidos a quebrarem o segredo de justiça
Mais grave do que as escutas de Costa, está a ausência de escutas por falta de transcrição- que permite que os militares da GNR e um membro da PSP, que teriam alegadamente o papel de "capatazes" junto dos empresários traficantes de imigrantes, tenham voltado esta semana ao trabalho
Como as provas do envolvimento das forças de segurança no crime eram essencialmente escutas e as escutas não foram transcritas como manda a lei, os 10 militantes da GNR e um elemento da PSP saíram sob termo de identidade e residência (a menor das medidas de coacção) e estão de novo nos seus postos
Repare-se no absurdo: estas pessoas suspeitas de terem violado a lei de forma vil neste momento são os defensores da autoridade do Estado perante violações de lei
Felizmente, não moro no Alentejo senão estaria seriamente assustada. O Pedro Candeias já fez um editorial sobre este assunto - de facto, "escutado ninguém acredita". Mas exige-se uma resposta do Ministério Público. Houve aqui um erro clamoroso que pode permitir, inclusivamente, a continuação da actividade criminosa
Estamos a falar de pessoas extremamente vulneráveis, como são os imigrantes sem papéis, que eram "controlados e vigiados" e inclusivamente "ameaçados" pelas forças de segurança ao serviço do empregador. 
No comunicado de 25 de Novembro, a GNR diz que "tudo fará para que os autores sejam criminalmente responsabilizados" e que na Guarda Nacional Republicana "não há lugar para  pessoas cujo comportamento possa corromper o compromisso de honra e exemplaridade ética" que os militares assumiram "perante a sociedade e os cidadãos"
A IGAI - Inspecção Geral da Administração Interna já abriu um inquérito aos suspeitos. Só que, por causa de uma indesculpável acção do Ministério Público, afinal na GNR "há lugar para pessoas cujo comportamento possa corromper o compromisso de honra"O regresso ao trabalho destes militares sob suspeita é de uma imensa gravidade e põe em causa a confiança dos cidadãos nas forças de segurança. 
Agora, a ideia de que o Ministério Público não tem que dar justificações sobre a Operação Safra Justa e a inconcebível não transcricão das escutas não é aceitável num Estado de direito democrático. O perfil de Amadeu Guerra inicialmente contrastou com o da sua antecessora. Parecia disposto a explicar melhor o trabalho do Ministério Público de que é a figura cimeira. A ideia parece ter-se desvanecido."

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