«Espera-se de uma sociedade democrática que a memória histórica seja cultivada pela ciência, e não pelo Estado. Que seja motivada pela investigação e não tome parte em propaganda política. Será este recente endeusamento do 25 de Novembro, que nada seria sem o 25 de Abril, também ele um sinal do escurecimento democrático que se afigura avizinhar em Portugal, como está a acontecer um pouco por todo o mundo?
No passado dia 28 de agosto, o governo da AD decidiu cumprir aquela que é uma das velhas bandeiras do CDS, até há um ano sem eco fora da sua bolha política. Confirma-se que a prometida “Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Novembro” se virá a materializar, naturalmente envolta em polémica. Trata-se de uma decisão inusitada na política portuguesa e nasce de um ímpeto revisionista da história com raízes impreterivelmente ideológicas, vindo a confirmar aquilo que tanto Nuno Melo como Luís Montenegro fizeram por desdizer ao longo do último ano: que, para os dirigentes, o 25 de Novembro de 1975 assume igual valor ao 25 de Abril de 1974, ato fundador da democracia portuguesa. No entanto, sendo esta uma data marcante da história portuguesa, porque é que não faz sentido a criação de uma comissão desta natureza?... porque tem o governo medo que os historiadores falem sobre a história? Porque, como já foi repetidamente demonstrado, a visão do CDS (e não só) sobre o 25 de Novembro não se coaduna com a investigação científica feita nesse sentido. Embora ainda paire uma relativa névoa sobre este dia na nossa história, com pormenores ainda por esclarecer, uma coisa é certa: tratou-se de uma vitória da esquerda sobre a esquerda, que a direita agora pretende usurpar para fins políticos. A exaltação do 25 de Novembro, imbuída de ignorância histórica, serve um único fim – o de adensar a guerra cultural entre a esquerda e a direita, polarizando a sociedade e dividindo-a sobre o ato fundador da democracia portuguesa (que, por sinal, já teve melhores dias).
Em primeiro lugar, urge esclarecer que uma decisão deste cariz pode apenas ter sido motivada por um de dois fatores: ou ignorância política ou uma motivação deliberada de reescrever a história. É que está em funções, desde 2022, uma Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, cujo objetivo é recordar não só o “dia inicial inteiro e limpo”, mas todo o contexto que o antecedeu e as suas consequências. Presidida pela renomada historiadora Maria Inácia Rezola, tem vindo a promover iniciativas sobre a memória da Revolução dos Cravos desde antes do seu eclodir e o seu programa alastra-se até 1976, ano em que se inicia o período constitucional e se conclui, finalmente, a transição para a democracia. Por conseguinte, é relativamente fácil concluir que sim, esta Comissão também se debruçará sobre o 25 de Novembro aquando do seu cinquentenário, com base na opinião dos historiadores e especialistas que a compõem.
... a memória histórica é, infelizmente, uma arma. O controlo do passado foi, desde sempre, um poderoso instrumento do autoritarismo, uma ferramenta para influenciar mentalidades e ocultar factos.»

Sem comentários:
Enviar um comentário
Neste blogue todos podem comentar...
Se possível, argumente e pense. Não se limite a mandar bocas.
O OUTRA MARGEM existe para o servir caro leitor.
No entanto, como há quem aqui venha apenas para tentar criar confusão, os comentários estão sujeitos a moderação, o que não significa estarem sujeitos à concordância do autor deste OUTRA MARGEM.
Obrigado pela sua colaboração.