domingo, 3 de novembro de 2024

Para onde caminhamos?..

Extracto do texto de opinião, "A vontade do povo: 100 anos de regressão", de Miguel Sousa Tavares, publicado esta semana no Expresso

«A menos que um milagre nos salve a todos, e não apenas aos americanos, na quarta-feira acordaremos com Donald J. Trump eleito de novo como Presidente dos Estados Unidos. É natural que num país que se divide ao meio entre uma elite que representa o melhor da espécie humana em termos de inteligência, investigação, empreendedorismo e criação artística e outra metade que é orgulhosamente ignorante e hostil a tudo o que não entende nem quer entender, o absurdo sistema eleitoral produza alternadamente Presidentes capazes e Presidentes que são um embaraço ou um retrocesso para o mundo. Mas nunca, nunca nos piores pesadelos da gente de bom senso alguém tão boçal, tão alarve, tão perigoso para o mundo como o Trump 2ª versão esteve à beira de chegar ao poder na “nação indispensável”. E se já é sinistro imaginar à solta um animal vingativo e desprovido de quaisquer limites éticos como ele, mais sinistro é pensar que quem o elege é o povo contra a elite. É na terra de referência do capitalismo que a derrota final das teses marxistas se torna mais evidente: são as massas, o sector mais desprotegido de uma sociedade de abundância, que não só não se revoltam contra quem lhes quer tirar um mínimo de apoios sociais — o Medicare, as bolsas de estudo universitárias, as ajudas contra a pobreza extrema — como ainda elegem ou deixam eleger como líder alguém que ostenta a sua exuberante riqueza como um dom, que não paga impostos e que tem no cadastro de sucesso milhares de despedimentos. E, se perder a eleição, Kamala Harris, símbolo do american dream, de quem se fez por si e a pulso erguendo-se de um destino de miséria pré-traçado, tê-la-á perdido porque não conseguiu o número suficiente de votos entre os mais fracos e desprotegidos: os negros, os latinos, os pobres. Em contrapartida, tem garantido o apoio maioritário dos brancos educados, da inteligência, das universidades e do mundo artístico. Mas o povo é quem mais ordena. Bem podem gritar-lhe — até os antigos colaboradores de Trump — que o homem venera ditadores, que tem mentalidade de fascista e inclinações nazis. Que não lê nada nem escuta informação ou conselho algum, fiando-se apenas no seu desmesurado ego. Que é uma ameaça real à economia e à democracia, à paz interna e às relações com os aliados de sempre. Que irá demitir, silenciar, perseguir todos os “inimigos internos” como nem no tempo de McCarthy. O povo não quer saber, o povo não acha isso importante. Um estudo de há dias revelou que 40% dos americanos entre os 16 e os 29 anos, a nova geração, recolhiam toda a informação de que dispunham do TikTok: têm as melhores universidades do mundo, uma imprensa de referência, museus espantosos, um cinema e uma literatura de vanguarda, mas, para metade deles, basta-lhes as redes sociais para saberem do mundo. Por isso, os milionários entre os milionários, como Musk ou Zuckerberg, controlam as redes sociais e metade dos jovens que votam escolhem Trump.»

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