segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A vitória do Chega na campanha autárquica do PS

Ana Sá Lopes

«Há apenas duas semanas, escrevi neste espaço uma crónica com o título “A vitória do Chega no Congresso do PSD”, depois das arengas de Luís Montenegro contra a disciplina de Cidadania. 

Hoje, depois do silêncio da direcção socialista e de Pedro Nuno Santos sobre o caso Ricardo Leão, é difícil não concluir que o Chega também está a vencer a campanha para as próximas autárquicas do PS. A questão é tão grave, tão grave, que o PS ficar calado sobre a aprovação, pela Câmara de Loures, da proposta do Chega transforma-se numa rendição aos discursos da direita populista radical. Recordo que a proposta defendia que os envolvidos em distúrbios, como os que ocorreram na sequência do assassínio de Odair Moniz por um polícia, deviam ser despejados das habitações propriedade da câmara. Agora, falta o PS arranjar um discurso um bocadinho mais xenófobo (mesmo que deixe a disciplina da Cidadania em paz) para ter o pacote completo. Que isto aconteça sob a direcção do PS alegadamente “mais à esquerda de sempre” é um susto. 

O antigo deputado Ascenso Simões veio defender, na sua página do Facebook, o presidente da Câmara de Loures. E usou precisamente o argumento de que, para evitar que o Chega tome conta das autarquias da Área Metropolitana de Lisboa, são precisos mais Ricardos Leão. Cito: “Eu não gosto do Chega, mas não fecho os olhos à sua existência e, principalmente, aos problemas que lhe dão razões (…). Leão não é um autarca fora-da-lei como alguns dos seus camaradas quiseram fazer acreditar nos últimos dias. Leão tem é a realidade do seu lado e, se nada fizer, um dia teremos Loures, Amadora e outros concelhos governados pela extrema-direita.” De onde se conclui que, para travar a extrema-direita, é usar os seus argumentos e o PS tem a vitória garantida. 

Este texto de Ascenso Simões foi apoiado (pôr um “gosto”, em léxico faceboquiano) por Davide Amado, que sucedeu a Marta Temido na presidência da concelhia de Lisboa do PS. Também pelo antigo secretário de Estado do Desporto e actual deputado João Paulo Correia. Outro apoiante foi o deputado Carlos Pereira, vice-presidente do grupo parlamentar do PS. Há muitos socialistas a apoiarem Ricardo Leão e Ascenso Simões: o ex-deputado Pedro Cegonho, antigo presidente da Associação Nacional de Freguesias, é outro. Ricardo Leão, confortado com o suposto apoio que terá recebido da direcção do PS (o inevitável “quem cala consente”), veio decretar ao PÚBLICO, no sábado, que “a questão está resolvida” e que tudo isto “é uma polémica que não existe” e que não há assunto, “tendo em conta as mensagens e telefonemas de apoio” que recebeu. Entrementes, desconvocou a reunião da Federação da Área Urbana de Lisboa — a que preside — marcada para hoje. 

É um facto que houve socialistas que se demarcaram de Leão. Mas todo este episódio e tudo o que tem vindo a público até agora induzem a pensar que o PS, em vez de ser “o PS mais à esquerda de sempre”, acabará por seguir o caminho de outros partidos socialistas europeus que cederam, tal como os seus parceiros europeus da direita democrática, à direita populista. 

Estas autárquicas vão ser o teste do algodão, e tudo indica que o PS vai querer competir no mesmo terreno onde a AD já tinha entrado — o discurso demagógico e populista “justiceiro”. Sem dó nem piedade. 

Quando se perdem os princípios, perde-se tudo. Eu sei que isto não tem directamente que ver com este assunto (ou só remotamente tem), mas neste sábado pus-me a ler a história da vida de Oswald Mosley, o presidente da União Britânica dos Fascistas. Antes de fundar os seus partidos, Mosley foi do Partido Trabalhista, da sua ala mais à esquerda. Aderiu ao Independent Labour Party, uma espécie de “partido irmão” do Labour, mais radical. Mosley era olhado por personalidades importantes no movimento trabalhista britânico como possível futuro líder. Aneurin Bevan (líder da ala esquerda do Labour e fundador do NHS) gostava muito de Oswald Mosley, antes de este se tornar fascista. A deputada Jennie Lee — da ala mais radical do Labour, que virá a ser ministra da Cultura no governo de Harold Wilson — adorava-o, assim como Beatrice Webb, outro nome decisivo do movimento trabalhista do início do século XX. A História serve para alguma coisa.»

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