"A minha filha chama-se Teresa, tem cinco meses e não percebe nada de astrofísica, literatura ou finanças públicas.
Além disso, é analfabeta.
Mas espreguiça-se com ganas de endireitar todos os músculos das costas, dos braços e do pescoço. Nunca chora de tristeza, só de uma dor que vem e passa. Senta-se mais ou menos, e mais ou menos vira-se e tenta descobrir os pés e o que há além destes - o mundo inteiro. Lança olhares sabedores (sabedores demais, para quem pouco sabe) e tudo agarra para abocanhar, porque é melhor ver com a boca. Sorri muito, sempre, e está a caminho das gargalhadas, que são sorrisos em jeito de comício.
Nunca conheci ninguém tão ignorante como a Teresa. Ainda ignora que pode levar os pés à boca. Ignora que terá de caminhar por caminhos por vezes felizes por vezes tristes. Ignora a amargura e a maldade. Ignora os perigos da existência; só precisa da papa e do leite e da alegria dos pais. E não sabe que o crescimento económico da Alemanha está anémico, abaixo da média europeia.
Nunca conheci ninguém tão ignorante como a Teresa. Ainda ignora que pode levar os pés à boca. Ignora que terá de caminhar por caminhos por vezes felizes por vezes tristes. Ignora a amargura e a maldade. Ignora os perigos da existência; só precisa da papa e do leite e da alegria dos pais. E não sabe que o crescimento económico da Alemanha está anémico, abaixo da média europeia.
Mas estas coisas ela ensina-me todos os dias.
Aprendi que uma hora tem
mais de sessenta minutos e
um dia mais de vinte e quatro
horas. É coisa típica de quem
sabe muito de matemática: ela
muito, eu pouco.
Aprendi que não há fim para
o maravilhamento, que é o
contrário do ensimesmamento. Todos os dias com mais de
vinte e quatro horas, todos os
minutos com mais de sessenta segundos são para me maravilhar com ela.
Aprendi que o cansaço e os
inconvenientes custam, mas
saem barato perante a imensidão do que existe agora e do
que se avizinha.
Aprendi a esperar por ela,
porque todos os dias ela cresce um pouco mais e eu quero
conhecê-la, mas ao mesmo
tempo a não querer esperar
por ela. Como se descobrir mais fosse perder quando se
ganha.
Aprendi que a inocência tem
isto de curioso: deve ser defendida por quem já a perdeu.
Aprendi a olhar para os objectos do dia-a-dia como se não
os conhecesse. As chaves são
fascinantes, o comando da televisão um ovni, o barulho dos
talheres quando atirados para
a máquina de lavar um concerto. E as mãos estranhos aranhiços aptos a toda a obra.
Aprendi que não perceber
nada de astrofísica, literatura
e finanças públicas é bem possível sem angústias, e que a
melhor sesta é a embalada pelas notícias de última hora.
E aprendi que a grande palavra, essa palavra imensa que é
o amor, se faz pequenina todos os dias: a sua grandeza, das
fraldas aos biberões, tem o tamanho de incontáveis momentos pequeninos.
E por
isso aprendi que o amor é tanto maior quanto mais pequenino for."
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