Com a crise aguda que se vive no Global Media Group e no momento em que se está a realizar Congresso de Jornalistas, esta crónica de Pedro Tadeu, publicada no Diário de Notícias, parece interessante e oportuna.
"A imprensa privada portuguesa, por falta de capital, não consegue, neste momento, garantir uma cobertura noticiosa permanente, nobre e diversificada de todo o país, não trabalha para a coesão do território. Limita-se, quando o faz, a acompanhar matérias de crimes, acidentes, tragédias e alguns fait-divers.
A imprensa privada portuguesa, por falta de capital, não consegue noticiar consistentemente a atividade de vários parceiros sociais: das universidades, dos sindicatos, das associações patronais, das instituições de solidariedade social, das igrejas, dos movimentos ecologistas, antirracistas, de proteção dos direitos dos deficientes, das coletividades de cultura e recreio, das associações desportivas e das modalidades desportivas que estão fora do futebol, de muitas outras áreas de atividade que mobilizam inúmeros portugueses e são ignoradas na esmagadora maioria dos jornais e nos respetivos sites.
A imprensa privada portuguesa, por falta de capital, quase só notícia a atividade e o conflito político autárquicos quando o Ministério Público faz o favor de anunciar a abertura de um inquérito judicial a um presidente de Câmara.
O Portugal da imprensa privada acompanha bem a atividade palaciana do grande poder político-económico e dos seus satélites, das maiores instituições públicas e privadas, das vedetas e dos VIP, do que está em voga nas elites, mas não noticia o Portugal dos portugueses comuns.
A imprensa privada portuguesa, por falta de capital, não consegue acompanhar o ritmo da atividade, por todo o país, protagonizada por milhares de artistas e intelectuais, em milhares de produções de espetáculos, de exposições, de eventos, de lançamentos de livros, de edições musicais, de conferências, omitindo múltiplas tendências culturais e cívicas da sociedade. Mas acompanha bem fenómenos mediáticos transnacionais, nomeadamente de origem anglo-saxónica.
A imprensa privada portuguesa não consegue garantir, de forma crónica, apesar do esforço das suas redações e de algumas iniciativas editoriais inovadoras, uma participação própria nas redes sociais que seja um mecanismo eficaz contra a proliferação do boato, das campanhas de ódio e da desinformação.
A imprensa privada portuguesa, quase toda, por falta de capital, não cobre com qualidade, persistência e profundidade o noticiário de um grande número de países de língua portuguesa, nem das comunidades portuguesas radicadas no estrangeiro.
A imprensa privada portuguesa não tem um papel central na defesa e na promoção da nossa língua.
A imprensa privada portuguesa não cobre diária e sistematicamente o noticiário interno de cada um dos países da União Europeia. Reproduz sem contraditório as decisões das cúpulas institucionais da União Europeia, nem fiscaliza o seu imenso poder. Acaba por dar mais noticiário norte-americano do que de países europeus.
A imprensa privada, quase toda, não consegue libertar-se da dependência da banca, do setor financeiro, dos anunciantes das grandes empresas, o que limita a sua independência editorial.
A imprensa privada portuguesa, por falta de capital, não consegue, há já muitos anos, garantir postos de trabalho e contratos equilibrados entre as várias profissões e as várias funções envolvidas no jornalismo, com muitos contratos a prazo, muitos salários degradados, alguns exageradamente inflacionados, múltiplos despedimentos coletivos e muitos outros seletivos. E, agora, já nem consegue pagar ordenados a tempo e horas...
Se, por milagre, a imprensa privada portuguesa, toda ela, arranjasse depressa o capital que lhe falta, garantiria o seu futuro, mas a viabilidade económica desses projetos implicará sempre recusar fazer muitas das missões informativas que, por imperativo financeiro, foram abandonadas há já vários anos...
Neste momento, a propósito da crise no Global Media Group e da realização do Congresso dos Jornalistas, que começa amanhã, volta a discutir-se a possibilidade de haver jornais de serviço público ou de propriedade do Estado. Mas o debate está envenenado por se focar nas mesmas questões que se discutiam em 1991, quando o DN, onde escrevo, voltou a ser privado.
A realidade é completamente diferente, as necessidades da sociedade atual são outras e, simplesmente, a imprensa privada não consegue, nem nunca conseguirá, cumprir plenamente a missão que antigamente se esperava dela. Tem outro papel, fulcral, importante e necessário, mas deixa uma lacuna no país. É por isso que a ideia de um jornal de serviço público, que faça o que privado não pode fazer, deveria ser discutida sem preconceitos anacrónicos."
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