Prémio Nobel da Literatura 1998
“Os meus pais sacrificaram-se muito e deram-me estudos para ir para a universidade? Não, tive estudos que estavam ao meu alcance e ao alcance da bolsa da família: estudei para ser serralheiro mecânico. Fui serralheiro mecânico. Depois fui várias coisas ao longo da vida. Li muito. Livros meus só os tive quando tinha 19 anos, quando pude comprar, com dinheiro que um amigo me emprestou. Em 47 escrevi um romance, escrevi outro logo a seguir que ficou inédito, que se chama Clarabóia, e que ficará inédito enquanto eu viva. Podia chamar-se oportunismo comercial, publicar agora esse livro escrito há 50 anos ou 60 anos. Aceitei que Terra do Pecado fosse publicado. Houve dois momentos importantes na minha vida que decidiram tudo. Um deles, não muito consciente, foi o facto de ter deixado de escrever depois de ter escrito esses livros. Durante 20 anos, quase não escrevi. Só voltei a publicar em 1966.
O segundo momento foi em 1975, quando, depois do 25 de Novembro, fiquei sem trabalho e sem esperança de o conseguir. “E agora, o que é que eu faço? Tenho aí alguns livros, mas não tenho uma obra, é agora ou nunca”. Durante cinco ou seis anos, talvez sete, vivi de traduções, ao mesmo tempo que ia escrevendo o Manual de Pintura e Caligrafia, e o Objecto Quase. A sorte foi que o Círculo de Leitores me tivesse convidado para escrever uma Viagem a Portugal, em 1979-80. Foi bem pago, deu-me uma estabilidade económica que me permitiu afrontar durante um ano ou dois o trabalho [da escrita], sem estar a pensar que tinha que ganhar dinheiro – ele já estava ganho.”
E tudo estava para vir numa vida que, como resumiu Eduardo Lourenço, foi um milagre.
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