Via Fernando Curado
«Na manhã do dia 30 de maio de 1919 “a população da Figueira da Foz acorreu à praia prestes e ávida de curiosidade. Flutuava no Mondego, perto da sua foz, o histórico hidroavião americano N. C. 4, que, pilotado sob a direção do valoroso comandante Read, conseguiu levar a bom termo o arrojado empreendimento da travessia aérea do Atlântico”.
“O N. C. 4 desceu na Figueira da Foz, às 8 e 20, devido a uma ligeira avaria n'um dos seus motores, que foi em breve reparada, levantando vôo às 14 e 25, com destino ao Cabo Finisterra”.
“Desceu no porto de Ferrol, d'onde seguiu para Plymouth, terminus do raid transatlântico. Este notável e inesperado acontecimento impressionou agradavelmente toda a Figueira da Foz, que assim teve ensejo de admirar e homenagear, quanto o limitadíssimo espaço de tempo permitiu, a interessante aeronave e os seus intrépidos tripulantes”.
“Fora da barra da Figueira, na baía de Buarcos, fundeou um destroyer americano, que ali acudira em auxílio do N. C. 4, e cujos serviços não foram utilizados”.
Assim relatou a notícia a revista “Ilustração Portugueza”, de 16 de junho de 1919, na página 475 do seu número 695.
O NC4 fazia parte de uma esquadrilha de 3 hidroaviões composta pelo NC1 e o NC3, e pertenciam à U.S.Navy que se propunha fazer a travessia do Atlântico Norte, voando de New York para o Canadá, partindo de Trepassey Bay (Terra Nova) diretamente para a Europa, escalando os Açores.
Havia um prémio de 10.000 libras instituído pelo jornal “Daily Mail” para quem conseguisse terminar a viagem.
John Towers, piloto do NC3, um dos principais cérebros do empreendimento, tinha elaborado um plano de voo que incluía 22 navios da Marinha colocados ao longo do percurso da primeira etapa, distanciados 50 milhas entre si, e equipados com holofotes que auxiliariam a navegação dos hidroaviões. Os hidroaviões dispunham de equipamento de rádio para comunicarem com os barcos e entre si.
A rota dos três hidroaviões teve início na base naval de Rockaway Beach (Nova Iorque), de onde descolaram a 8 de maio de 1919 com destino a Halifax (Nova Escócia, Canadá).
Por avaria de 2 motores, o NC4 prosseguiu a viagem à superfície até à Naval Station de Chatham (Massachusetts), onde reparou os motores.
O NC1 e o NC3 chegaram a Halifax no dia 8 de maio. No dia 10 de Maio, os NC1 e NC3 voaram para Trepassey Bay (Canadá).
Entretanto foram colocados 21 navios destroyers entre Cape Race e a ilha do Corvo (Açores), a intervalos de 50 milhas para segurança do voo.
O NC4 só chegou a Halifax a 14 de maio e a Trepassey Bay a 15 de maio.
Após longos preparativos, os 3 hidroaviões partiram de Trepassey Bay pelas 18 horas do dia 16 de Maio de 1919 com destino aos Açores (Horta).
A primeira parte do percurso dos 3 hidroaviões correu normalmente, até a aproximação da Ilha das Flores, já de madrugada, onde o “nevoeiro” ameaçava a sua segurança.
Sem visibilidade e o combustível a chegar ao fim, os pilotos do NC1 e do NC3 optaram por uma amaragem de emergência, em pleno oceano, na esperança de serem localizados pelos ”destroyers”.
O NC1 ao fazer a amaragem foi destruído por vagas alterosas e a sua tripulação recolhida pelo navio grego “IONIA” que os transportou para a cidade da Horta.
O NC3 chegou a Ponta Delgada em circunstâncias dramáticas.
Amarou a cerca de 200 milhas de Ponta Delgada e devido a avaria do emissor de Rádio, a tripulação não conseguiu contactar os “destroyers” de apoio sendo arrastado pela corrente ao sabor da mareta.
Auxiliado por dois motores que ainda funcionavam, ao fim de 53 horas de navegação marítima, o NC3 entra na baía de Ponta Delgada a 19 de maio, com o comandante Jonh Towers e a tripulação exaustos e o hidro danificado incapaz de voar.
O NC4, com o nome de ”Liberty”, comandado por ALbert C. Read, cumprindo o plano de voo, alcançou a baía da Horta, onde amarou às 13H23M do dia 17 de maio.
Jonh Towers, piloto do NC3, é o primeiro piloto mundial a entrar com um hidroavião no porto de Ponta Delgada, uma vez que Albert C. Read e o seu NC4 se encontravam na cidade da Horta.
Concluída esta primeira etapa em 15 horas e 13 minutos, a uma velocidade cruzeiro de 148 Km/hora, o NC4 saiu da Horta 3 dias depois, a 20 de maio, com destino a Ponta Delgada.
Chegou no mesmo dia, 20 de maio, a Ponta Delgada, onde ficou imobilizado durante 7 dias, devido às más condições atmosféricas.
No dia 27 de Maio o NC4 saiu de Ponta Delgada, às 8h18, com destino a Lisboa, onde amarou no rio Tejo às 20h01 do dia 27 de maio de 1919.
Quando o hidroavião amarou no Rio Tejo, os sinos das Igrejas de Lisboa repicaram em comemoração do feito.
O NC4 saiu de Lisboa a 29 de maio, com destino a Plymouth, mas teve de amarar na Figueira da Foz, no dia 30 de maio, às 8H20M, devido a uma ligeira avaria num dos seus motores, que foi em breve reparada, levantando voo às 14H25M com destino ao Cabo Finisterra.
Depois amarou em Ferrol (noroeste da Galiza), concluindo a travessia aérea em Plymouth (Sudoeste de Inglaterra), a 31 de maio de 1919.
A tripulação do NC4 era constituída pelo comandante tenente Albert Cushing Read, pelos pilotos tenentes Elmer Stone e Walter Hinton, pelos engenheiros James Breese e Eugene S. Rhodes e o rádio operador Herbert C. Rodd.
A primeira travessia aérea do Atlântico, de Nova Iorque (Rockaway) a Plymouth (Inglaterra), foi concluída em 23 dias, com 6 amaragens.
Este feito, grandioso para a época, e ao qual Portugal ficou indelevelmente ligado, acicatou a coragem dos pilotos portugueses.
Três anos depois, em 1922, Gago Coutinho e Sacadura Cabral atravessaram também o Atlântico, de Lisboa ao Rio de Janeiro, utilizando 3 hidroaviões, em 62 horas e 26 minutos de voo, durante 79 dias, e com o apoio de 3 navios.
Após o histórico voo de 1919, o piloto Read afirmou: “Em breve será possível voar num avião à volta do Mundo a uma altitude de 60 000 pés a 1 000 milhas por hora”.
No dia seguinte, o The New York Times publicou um editorial em que afirmava:
“Uma coisa é ser um aviador qualificado, outra bem diferente é ser profeta. Nada do que é hoje conhecido suporta a previsão do Comandante. Um avião a 60 000 pés de altitude estaria a girar as suas hélices num vácuo e nenhum aviador poderia viver por muito tempo no frio enregelante do espaço interestelar”.
Mas “o sonho comanda a vida, e sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança” (António Gedeão, Pedra filosofal).
A 3 de Junho de 1919, o piloto Read foi feito Comendador da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito de Portugal.»
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