Por Luís Osório
1.
Há 49 anos saíram para a rua quatro jovens que não chegaram a saber o que era a liberdade.
Talvez aquele dia fosse mesmo o dia, os sinais eram bons, os militares estavam na rua e gritavam-se palavras de ordem.
Palavras de liberdade.
Palavras contra a guerra colonial.
Palavras contra a censura e a favor da liberdade de imprensa.
Palavras contra a PIDE e a tortura.
Palavras a favor da libertação dos presos políticos.
Talvez aquele dia fosse mesmo o dia, os sinais eram bons, os militares estavam na rua e gritavam-se palavras de ordem.
Palavras de liberdade.
Palavras contra a guerra colonial.
Palavras contra a censura e a favor da liberdade de imprensa.
Palavras contra a PIDE e a tortura.
Palavras a favor da libertação dos presos políticos.
2.
Faz hoje 49 anos que o dia não se completou para qualquer um dos quatro.
Estiveram em vários pontos da cidade de Lisboa. E confluíram para a Rua António Maria Cardoso, sede da PIDE. Corria o rumor de que os torturadores estavam a tentar fugir, a rádio tinha noticiado que uma multidão de gente gritava "não passarão".
3.
Foram para lá.
Centenas de pessoas na rua viram uma janela abrir-se e ouviram uma rajada de disparos.
Alguns corpos caíram, muita gente correu para se proteger e houve pânico e desgoverno.
Quatro não se levantaram.
Morreram no dia 25 de Abril de 1974.
Nenhum deles pôde sequer saborear o seu primeiro jantar em liberdade.
4.
Fernando Giesteira tinha 17 anos e era um vivaço. Chegara de Montalegre e em miúdo adorava os bailaricos em Chaves e correr até ao alto da Nevosa. Tinha boa pinta e fora para Lisboa puxado uns anos antes por um familiar. Trabalhava como empregado de mesa na Cova da Onça, boîte frequentada por artistas, malta da bola e Polícia Judiciária. Saíra do trabalho e fora para a rua sem passar pela Pensão Flor, no Areeiro, o quarto onde vivia. Já arranjara um cravo vermelho e prendera-o certamente à camisa a cheirar ao fumo da noite.
José Harteley Barneto era o mais velho. Tinha 38 anos, quatro filhos e uma vida estável. Escriturário no Grémio Nacional dos Industriais de Confeitaria, morava na Flamenga, perto de Loures, e nascera em Vendas Novas. O pai ou a mãe eram ingleses e ele estava entusiasmado e sentia que tudo passara novamente a ser possível, mesmo o impossível.
Já José Guilherme Arruda tinha 20 anos. Viera há pouco tempo dos Açores, era excelente aluno e matriculara-se no segundo ano de Filosofia. Morava na Avenida Casal Ribeiro, perto do Saldanha, no centro de Lisboa. José Guilherme não tinha como esconder o sorriso, afinal estava a viver a história e a revolução que só conhecia na teoria.
Fernando Luís dos Reis tinha 23 anos. Era o único dos quatro que nascera em Lisboa e também o único militar. O seu batalhão era de Penamacor, mas ele estava de férias. Também por isso saiu à rua e dirigiu-se ao lugar onde talvez mais precisassem dele. Casara-se há pouco tempo e tinha planos de ser pai.
5.
Nenhum deles conheceu a liberdade.
Por esses dias, milhares de pessoas seguiram os seus funerais.
Milhares se despediram nos últimos dias de abril de 1974.
Mas ninguém os recordou hoje.
Pelo menos que eu tenha notado, ninguém deles falou.
Ninguém se lembrou dos quatro para quem a liberdade foi, até ao último segundo da sua curta vida, a esperança em estado bruto.
Ninguém se lembrou de quatro rapazes que, se fossem vivos, estariam certamente no único lugar possível, o lugar dos que acreditam que a ditadura e o fascismo têm de ser combatidos.
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