O “mito Cavaco” esteve ontem na nossa cidade a convite da Misericórdia - Obra da Figueira. Na ocasião, «o ex-Presidente da República Aníbal Cavaco Silva questionou o gasto de “milhares de milhões” de euros em Portugal em projetos de rentabilidade social “muito discutível”, quando são necessários noutros domínios “para minorar o sofrimento” da população mais carenciada. Questionado pela agência Lusa sobre os projetos referidos, Cavaco Silva escusou-se a enumerá-los e prestar mais declarações, justificando a sua posição com a “muito perigosa” situação política do país.
“Eu tenho sido muito solicitado para falar sobre a situação política do nosso país. Mas considero que, da minha parte, não é tempo de falar, porque considero que a nossa situação política é, neste momento, muito perigosa e eu não quero atirar achas para a fogueira”, frisou Cavaco Silva.
“Por isso, peço-lhe desculpa em não acrescentar mais nada do que aquilo que há pouco disse naquele microfone”, sublinhou.»
Este, é o Cavaco Silva de sempre. Recuando no tempo, verificamos que "muitas das ideias feitas em torno de Cavaco Silva são falsas e o seu prestígio frequentemente fundado na falta de memória."
"Aníbal Cavaco Silva conquistou duas maiorias absolutas consecutivas em eleições legislativas e exerceu funções como Primeiro-Ministro entre 1985 e 1995." Antes, "exerceu funções como ministro das Finanças e do Plano (1980–1981) do VI Governo Constitucional, chefiado por Francisco Sá Carneiro. Entre 2006 e 2016 foi Presidente da República.
Em 1983, PS e PSD coligaram-se para levar a cabo políticas necessárias para cumprir os requisitos para a adesão à então CEE e, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas. A coligação improvável serviu para tornar possível medidas de austeridade, garantindo, simultaneamente, que a sua impopularidade não encontraria eco na disputa político-partidária. E o que fez então Cavaco Silva?"
“Eu tenho sido muito solicitado para falar sobre a situação política do nosso país. Mas considero que, da minha parte, não é tempo de falar, porque considero que a nossa situação política é, neste momento, muito perigosa e eu não quero atirar achas para a fogueira”, frisou Cavaco Silva.
“Por isso, peço-lhe desculpa em não acrescentar mais nada do que aquilo que há pouco disse naquele microfone”, sublinhou.»
Imagem via Diário as Beiras |
Este, é o Cavaco Silva de sempre. Recuando no tempo, verificamos que "muitas das ideias feitas em torno de Cavaco Silva são falsas e o seu prestígio frequentemente fundado na falta de memória."
"Aníbal Cavaco Silva conquistou duas maiorias absolutas consecutivas em eleições legislativas e exerceu funções como Primeiro-Ministro entre 1985 e 1995." Antes, "exerceu funções como ministro das Finanças e do Plano (1980–1981) do VI Governo Constitucional, chefiado por Francisco Sá Carneiro. Entre 2006 e 2016 foi Presidente da República.
Em 1983, PS e PSD coligaram-se para levar a cabo políticas necessárias para cumprir os requisitos para a adesão à então CEE e, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas. A coligação improvável serviu para tornar possível medidas de austeridade, garantindo, simultaneamente, que a sua impopularidade não encontraria eco na disputa político-partidária. E o que fez então Cavaco Silva?"
Em 1985, veio fazer a rodagem do seu carro à Figueira da Foz, tendo sido eleito líder do PSD, baseado numa plataforma que fazia do combate demagógico ao Bloco Central a principal bandeira.
Sublinhe-se: "o Cavaco Silva que sempre se apresentou como o maior defensor do rigor e da austeridade, ascendeu ao poder surfando a onda da impopularidade do Bloco Central.
O Governo tomava medidas difíceis, mas que hoje ninguém hesita em classificar de absolutamente necessárias. Cavaco Silva aproveitou a impopularidade do Governo para trepar os primeiros degraus do poder."
O Governo tomava medidas difíceis, mas que hoje ninguém hesita em classificar de absolutamente necessárias. Cavaco Silva aproveitou a impopularidade do Governo para trepar os primeiros degraus do poder."
Ganhas as eleições de 1985, ficaram patentes algumas das características que já eram visíveis, para os mais atentos, na sua acção política.
Em primeiro lugar, "a ideia de que não era um político e que se encontrava fora do sistema. Algo de espantoso para alguém que ao longo da sua vida o que fez foi essencialmente política."
A saber: quando Pinto Balsemão era primeiro-ministro, foi um dos principais instigadores da oposição interna no PSD; antes já tinha sido Ministro das Finanças e viria a ser Primeiro-Ministro por uma década e candidato derrotado à Presidência da República. Depois foi Presidente da República durante 10 anos.
Contudo, continua a querer passar ser essencialmente um Professor, alguém que está acima da disputa partidária. "Insiste em ser o político anti-classe política."
Lembram-se do célebre artigo sobre a boa e a má moeda, publicado nas vésperas da queda do Governo Santana Lopes?
Na altura, "toda a gente se apressou a dar cobertura à tese da suposta degradação da classe política, por contraponto a um momento anterior (terá sido o dos memoráveis elencos governativos de Cavaco Silva?)."
Porventura, porém, "o aspecto mais característico da sua acção como primeiro-ministro foi a aplicação, em Portugal, do que é chamado de “efeito Bismarck”. O princípio é simples. Otto von Bismarck, enquanto primeiro-ministro da Prússia, na segunda metade do século XIX, tinha dois grandes objectivos: o primeiro era a unificação de uma nação, no caso a Alemanha, e o segundo era contrariar o poder crescente do movimento social-democrata. O que o chanceler Bismarck fez para responder a este duplo problema foi aplicar o que se tornaria uma solução politicamente popular entre os líderes de perfil autocrático.
O “efeito Bismarck” consiste, no essencial, na conjugação de dois tipos de medidas políticas. Um primeiro que visa a fidelização dos agentes da administração pública ao poder político e que assenta na criação de situações de privilégio relativo dos funcionários públicos em termos de vínculo laboral e de protecção na reforma; e um segundo que passa por generalizar a protecção social, com um perfil conservador e fora de uma lógica emancipatória, como forma de esvaziar, ainda que com propósitos diferentes, o caderno reivindicativo do movimento social-democrata. O resultado destas medidas é historicamente a criação de um modelo de Estado Providência de perfil corporativo e conservador.
O que Cavaco Silva fez enquanto primeiro-ministro foi precisamente isto. Vivia-se um contexto de algum desafogo financeiro, o país beneficiava da alavanca de desenvolvimento do primeiro Pacote Delors e o Governo optou por apostar no desenvolvimento do “monstro voraz”. Fê-lo através da criação de um conjunto de regalias para a administração pública que, a prazo, se têm tornado financeiramente insustentáveis e socialmente iníquas (à cabeça a promoção automática das carreiras, que por si só representa uma parcela muito importante do aumento da despesa com remunerações). Ao mesmo tempo que se aumentou a dimensão social do Estado, sem cuidar da sua modernização – por exemplo, aumentaram-se as pensões sem que houvesse uma preocupação de aumentar a justiça interna ao sistema de pensões."
Afinal quem é o "Pai" do "Monstro"?
Com a recuperação subliminar da ideia autoritária de que não era um político, herdando algum desafogo financeiro consequência das medidas difíceis tomadas durante o Bloco Central e dos fundos comunitários, Cavaco Silva, para ganhar eleições, limitou-se a aplicar uma fórmula conhecida: aumentou, de modo perverso, as regalias dos funcionários públicos e a dimensão social do Estado. No fundo, utilizou a táctica já experimentada cem anos antes por Bismarck, na Alemanha. O resultado só poderia ser a criação de um Estado que é um “monstro”, não tanto pelo que gasta, mas pelos obstáculos corporativos que cria e que dificultam a sua reforma e adequação a novos contextos. Que, mesmo assim, Cavaco Silva tenha construído a imagem de alguém que tomou medidas difíceis não deixa de ser espantoso. Afinal, o que fez foi governar do modo mais fácil, mas que é também aquele que deixa herança mais pesada no médio-prazo."
Em primeiro lugar, "a ideia de que não era um político e que se encontrava fora do sistema. Algo de espantoso para alguém que ao longo da sua vida o que fez foi essencialmente política."
A saber: quando Pinto Balsemão era primeiro-ministro, foi um dos principais instigadores da oposição interna no PSD; antes já tinha sido Ministro das Finanças e viria a ser Primeiro-Ministro por uma década e candidato derrotado à Presidência da República. Depois foi Presidente da República durante 10 anos.
Contudo, continua a querer passar ser essencialmente um Professor, alguém que está acima da disputa partidária. "Insiste em ser o político anti-classe política."
Lembram-se do célebre artigo sobre a boa e a má moeda, publicado nas vésperas da queda do Governo Santana Lopes?
Na altura, "toda a gente se apressou a dar cobertura à tese da suposta degradação da classe política, por contraponto a um momento anterior (terá sido o dos memoráveis elencos governativos de Cavaco Silva?)."
Porventura, porém, "o aspecto mais característico da sua acção como primeiro-ministro foi a aplicação, em Portugal, do que é chamado de “efeito Bismarck”. O princípio é simples. Otto von Bismarck, enquanto primeiro-ministro da Prússia, na segunda metade do século XIX, tinha dois grandes objectivos: o primeiro era a unificação de uma nação, no caso a Alemanha, e o segundo era contrariar o poder crescente do movimento social-democrata. O que o chanceler Bismarck fez para responder a este duplo problema foi aplicar o que se tornaria uma solução politicamente popular entre os líderes de perfil autocrático.
O “efeito Bismarck” consiste, no essencial, na conjugação de dois tipos de medidas políticas. Um primeiro que visa a fidelização dos agentes da administração pública ao poder político e que assenta na criação de situações de privilégio relativo dos funcionários públicos em termos de vínculo laboral e de protecção na reforma; e um segundo que passa por generalizar a protecção social, com um perfil conservador e fora de uma lógica emancipatória, como forma de esvaziar, ainda que com propósitos diferentes, o caderno reivindicativo do movimento social-democrata. O resultado destas medidas é historicamente a criação de um modelo de Estado Providência de perfil corporativo e conservador.
O que Cavaco Silva fez enquanto primeiro-ministro foi precisamente isto. Vivia-se um contexto de algum desafogo financeiro, o país beneficiava da alavanca de desenvolvimento do primeiro Pacote Delors e o Governo optou por apostar no desenvolvimento do “monstro voraz”. Fê-lo através da criação de um conjunto de regalias para a administração pública que, a prazo, se têm tornado financeiramente insustentáveis e socialmente iníquas (à cabeça a promoção automática das carreiras, que por si só representa uma parcela muito importante do aumento da despesa com remunerações). Ao mesmo tempo que se aumentou a dimensão social do Estado, sem cuidar da sua modernização – por exemplo, aumentaram-se as pensões sem que houvesse uma preocupação de aumentar a justiça interna ao sistema de pensões."
Afinal quem é o "Pai" do "Monstro"?
Com a recuperação subliminar da ideia autoritária de que não era um político, herdando algum desafogo financeiro consequência das medidas difíceis tomadas durante o Bloco Central e dos fundos comunitários, Cavaco Silva, para ganhar eleições, limitou-se a aplicar uma fórmula conhecida: aumentou, de modo perverso, as regalias dos funcionários públicos e a dimensão social do Estado. No fundo, utilizou a táctica já experimentada cem anos antes por Bismarck, na Alemanha. O resultado só poderia ser a criação de um Estado que é um “monstro”, não tanto pelo que gasta, mas pelos obstáculos corporativos que cria e que dificultam a sua reforma e adequação a novos contextos. Que, mesmo assim, Cavaco Silva tenha construído a imagem de alguém que tomou medidas difíceis não deixa de ser espantoso. Afinal, o que fez foi governar do modo mais fácil, mas que é também aquele que deixa herança mais pesada no médio-prazo."
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