Luís Osório, via facebook
"1.
Sobre João Rendeiro o importante foi dito.
Não me ocorre nada de relevante ou que possa acrescentar ao que já escrevi, ao que já disse.
Quero então falar-vos dos vivos.
Dos amigos que o banqueiro tinha – ou, pelo menos, dos que se diziam amigos, dos que compareceram ao lançamento dos seus livros, dos que com ele fizeram negócios, dos que com ele almoçaram e jantaram, dos que foram visita de casa, dos advogados, dos que com ele trabalharam.
É desses que vos quero falar.
2.
Por que ontem no seu funeral não estava ninguém.
Contavam-se pelas mãos.
A sua mulher amparada pela irmã.
Mais algumas pessoas que não reconheci, três ou quatro, talvez mais uma ou duas que não chegam para os dedos das nossas duas mãos.
Absolutamente ninguém se despediu de João Rendeiro.
Um homem que estava sempre rodeado de gente, apesar de toda a gente que o rodeava saber desde primeiro momento que a sua seriedade era tudo menos à prova de bala.
Não era sério, mas já se sabia.
Era megalómano, mas todos o sabiam.
Era egocêntrico e focado na sua própria loucura e ambição, mas bolas todos o sabiam também.
3.
Nem um apareceu na Basílica da Estrela.
O mundo dos ricos tem destas coisas – a solidariedade, o respeito pela amizade ou a até a honra são sempre subordinados a outros valores mais importantes – ser visto ontem a cumprimentar a viúva seria sempre uma chatice grande, ninguém se quer queimar por alguém como o Rendeiro.
Os pobres nisso são diferentes.
Vemos assassinos a ser enterrados com centenas de vizinhos presentes.
Canalhas da pior espécie que, mesmo esses, não vão sozinhos para a terra ou para o crematório.
Na alta finança isso não existe.
O problema não foi João Rendeiro ter sido um vigarista.
O problema é que foi apanhado e enlouqueceu grávido de si próprio.
Esse foi o único problema.
Por que se não tivesse sido apanhado teria a sua quinta cheia de gente que o abraçaria em nome de uma amizade sem limites, uma amizade eterna, cheia de promessas de novos negócios, vinho exclusivo e os melhores chefs.
Teria sempre companhia para almoçar.
Teria sempre os seus livros a abarrotar de gajos com botões de punho de ouro.
Teria sempre os melhores lugares nos aviões, nos restaurantes.
E os melhores abraços.
Mas não.
Suicidou-se num buraco na África do Sul e saiu ontem da Basílica da Estrela como se nunca tivesse na sua vida conhecido uma única pessoa.
Terrível.
Revelador.
E angustiante."
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