A crónica de António Agostinho publicada na Revista Óbvia em Fevereiro de 2022
«Reinava D. Luis. Vivia-se numa Monarquia Constitucional. Assistia-se ao recrudescimento das lutas políticas. Os dois grandes partidos eram o Progressista e o Regenerador.
Um acontecimento cívico, a comemoração do centenário de Camões (1880), foi como que um despertar para novos caminhos. O País iniciava o caminho para estar com a Europa evoluída. Os ideais republicanos começavam a ser reconhecidos publicamente.
Na Figueira existia uma consciência política. A verdadeira lição dos factos, a que ficou para a história, é de que foi benéfica para a comunidade a rivalidade dos partidos Progressista e Regenerador. Todos, no fundo, pretendiam alcançar objectivos que servissem a Figueira e os Figueirenses.
Naquele tempo, escreveu Carlos Faria, "cada Filarmónica, cada coisa, cada pessoa e cada associação pertence a um partido politico: ou Progressista ou Regenerador. A terra ganha com isso, faz obras, e obras grandes".»
Em 26 de Setembro de 2021 a maioria dos cidadãos figueirenses estava farta do presidente de câmara e queria a sua substituição. Foi o que aconteceu.
Veio Santana. Pensou-se que o cenário iria melhorar.
Embora me engane algumas vezes, o que é uma vantagem que só os pessimistas conhecem, tem sido normal piorar, quando se muda de políticos na Figueira.
Até ver, na minha opinião, não foi isso que aconteceu. Contudo, a procissão ainda vai no adro.
No passado dia 4 do corrente o Diário as Beiras publicou uma entrevista com Santana Lopes. O ambiente, na Figueira política, azedou e ficou estranho. Momentos houve em que pareceu estarmos à beira de uma borrasca.
A Figueira política, além de estranha, ficou irrequieta, tensa e quezilenta. Notou-se amargura, frustração, azedume e irritação. Houve excesso. Sobretudo, de palavras.
Porquê? E para quê? Qual é o objectivo? Desviar atenções? Criar mais agitações?
Alguém conseguiu perceber? No momento em que estou a escrever esta crónica (10/2/2022) a confusão continua instalada em vários lados.
A Figueira está estranha. À beira de uma borrasca? Ou isto é, apenas, "uma nuvem passageira"?
O povo é sereno. Pode ter sido só "fumaça"...
Na Figueira, neste momento, existem problemas sobre a própria natureza da política e do seu exercício. Há muita coisa mal resolvida. O problema é que nunca se começa de novo - há sempre um rasto de problemas do passado a colar-se como uma maldição.
Será, citando Santana Lopes, que "isso tem a ver com o nível das pessoas"? Será, continuando a citar Santana Lopes, "porque ainda não digeriram a derrota"? Ou será "porque Santana não está a fazer aquilo que eles queriam que fosse feito"?
Carlos Monteiro já esqueceu a primeira reacção de incredulidade perante a derrota.
Essa reacção começou por ter a sua graça. Assumiu a derrota nas eleições, atribuindo-a ao "fenómeno" Santana Lopes", com uma tirada de "Lapalisse": "temos aqui um resultado em que o fenómeno de Santana Lopes existiu e o fenómeno de Carlos Monteiro não existiu", disse o candidato do PS, ao final da noite de 26 de Setembro.
A evidência foi tão grande e tão evidente, que a explicação se tornou ridícula. O PS ganhou 11 em 14 juntas de freguesia do concelho da Figueira da Foz. Tem "maioria" na Assembleia Municipal. Perde a Câmara Municipal que liderou apenas 2 anos, embora fazendo parte do executivo PS durante 12 anos.
Com este resultado atípico, a derrota foi de quem?
Dele - Carlos Monteiro, como ele próprio admitiu.
Em circunstâncias normais, assumiria a responsabilidade da derrota, respeitaria a decisão dos eleitores, continuaria a trabalhar em prol da Figueira, mas tiraria as consequências e iria à sua vida.
Contudo, os que se habituaram a viver da política, primeiro, embora com dificuldades, digerem, depois, como mais pastilha, menos pastilha rennie (o alívio é rápido e eficaz), habituam-se e não "emigram".
Agarram-se ao que podem e ficam "em casa" a cuidar do seu futuro.
Isso, no futuro, vai fortalecer Santana Lopes. Ele sabe que assim será, melhor que ninguém. E agradece.
A "intelectualidade" figueirense não gosta de Pedro Santana Lopes. Considera-o um demagogo populista e volúvel. A "intelectualidade" local abespinha-se com Santana, como se a sua existência fosse um vazio cultural (aflige-a que Santana Lopes troque os títulos dos livros e o nome das peças musicais, o seu passado de homem do futebol, a sua herança de sedutor com um rasto de hipotéticos corações destroçados).
Porém, o concelho real também não gosta da "intelectualidade" local. Considera-a presunçosa e vaidosa, com o seu ar superior, as suas indignações, a sede de atenção e de prestígio.
A opinião "esclarecida" da "intelectualidade" local quer defender o povo figueirense das "garras" dos santanistas figueirenses. Porém, foi o povo figueirense que deu o poder a Santana na Câmara da Figueira.
E Santana sabe isso. Melhor do que ninguém.
Continuamos a assistir a "tiros nos pés" da oposição PSD, tal como aconteceu na campanha para as autárquicas de setembro p.p.
O que é um disparate e uma vantagem para Santana.
E Santana sabe. Melhor do que ninguém.
Há problemas sérios na Figueira a resolver. Santana sabe. A opinião "esclarecida", a "intelectualidade", a oposição (PS + PSD) também devem saber.
Santana sabe. Melhor do que ninguém. Convém não menosprezar, nem duvidar, da capacidade do exorcismo do diabrete.
"Um político necessita de ter a capacidade para prever o que vai acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês e no próximo ano. E de ter a capacidade para explicar depois porque nada disso aconteceu." (Winston Churchill).
Em 1880, Progressistas e Regeneradores, pretendiam alcançar objectivos que servissem a Figueira e os Figueirenses.
Será que hoje podemos acreditar no mesmo?
O rigor e a exigência, não interessam. O que é importante, são as coisas feitas à pressa, em cima do joelho, e sem nexo.
Isto, tem a ver com o absoluto amadorismo em que se fundamenta, em 2022, muita da politiquice figueirinhas, em o que conta é a fachada, a agenda do momento, pouco ou nada interessando o contexto e a estratégia para o que tem que ser feito e é importante para o futuro da Figueira e dos Figueirenses.
No fundo, o que está em causa é o nosso futuro...
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