"Quando o meu filho faz birra porque quer ir para a praia com meias e sapatilhas em vez de levar as sandálias do Homem-Aranha que seriam muito mais fáceis de calçar e descalçar num mundo de areia assaltam-me dois sentimentos contraditórios: uma ira imensa, porque até foi ele que escolheu as sandálias na loja; e um orgulho desmedido, por ver que segue as minhas pisadas e defende o uso de meias e sapatilhas nas idas à praia, ao contrário da maioria absoluta dos veraneantes.
E quem diz que a maioria tem sempre razão? Esse é, aliás, o calcanhar de Aquiles da democracia. Mesmo quando a maioria está errada, os poucos que a contestam têm de submeter-se à sua vontade. E tão importantes são as minorias para acautelar os desmandos das maiorias, que por mais absolutas que sejam não têm o monopólio da razão.
Com as autárquicas à porta, é natural que a preocupação primordial dos eleitores seja a escolha de um presidente de Câmara. Mas não menos importante será a oposição com que os vencedores terão de conviver e trabalhar durante o mandato. Uma oposição forte faz um executivo forte. Torna-o mais atento, menos displicente, obriga-o a preparar melhor os dossiês.
A tese de que só com uma maioria absoluta é possível ter a estabilidade necessária para levar por diante as políticas sufragadas pelos eleitores convence pouco.
Boa parte das decisões nos executivos até são tomadas por unanimidade ou sem sobressaltos de maior. É nos grandes projetos, nas matérias com mais impacto na vida dos cidadãos, que muitas vezes surge a discórdia.
Um problema? Não creio. Porque é precisamente nestes casos que a discussão mais faz sentido. Um executivo de maioria absoluta, não raras vezes, envereda por um simulacro de debate, ciente de que, no final, a sua vontade prevalecerá, por muito benévolos que sejam os contributos da oposição.
É por isso que desconfio das maiorias absolutas e discordo da teoria dos executivos monocolores que alguns defendem em nome da alegada estabilidade.
No entanto, é evidente que numa câmara de maioria relativa, para que não se atinja o caos, exige-se uma oposição adulta, com noção de que o seu contributo é essencial, mas que continua a estar em minoria.
Em suma, não podemos ter uma oposição birrenta, a fazer barulho só porque sim. Na maioria das vezes, será mesmo preciso usar as sandálias e esquecer as meias e as sapatilhas. Mas haverá com certeza ocasiões para calçar as sapatilhas e outras até em que a melhor solução será juntar meias e sandálias. O importante é que os munícipes estejam bem calçados."
Sem comentários:
Enviar um comentário
Neste blogue todos podem comentar...
Se possível, argumente e pense. Não se limite a mandar bocas.
O OUTRA MARGEM existe para o servir caro leitor.
No entanto, como há quem aqui venha apenas para tentar criar confusão, os comentários estão sujeitos a moderação, o que não significa estarem sujeitos à concordância do autor deste OUTRA MARGEM.
Obrigado pela sua colaboração.