Primeiro que tudo,
Carlos de Oliveira
ainda foi um homem, o que não é
pouco, nem como
exemplo para os demais. Tendo nascido no Brasil, em Belém do Pará, Amazónia, onde estavam emigrados os pais, com apenas dois anos Carlos de Oliveira voltou para Portugal, tendo passado a infância na árida região da Gândara, tendo os caminhos e veredas da região sido mais do que transpostos, num certo sentido foram (re)criados na sua obra, de tal modo que Osvaldo Manuel Silvestre admite que seja impossível hoje falar-se da Gândara sem ter como referência capital a história que esta nos conta sobre aquele território.
Como escreveu outro poeta,
Manuel de Castro, «chama-se um
homem ao que sabe o que está
fazendo». A esse que em vez de se
servir dele para jogos de exibição,
realmente pode com o peso do seu
coração. Quando tantos apenas
obedecem ao seu egoísmo e o fazem com espalhafato, Carlos de
Oliveira, como lembrava no ano
da sua morte Eduardo Prado Coelho, odiava o espectáculo. Foi, por
isso, dando por si exilado do tempo que absorvia tudo ao redor. Vivia crescentemente exasperado
com tudo aquilo que já então se
pressentia, esta terra que se demarca pelo fim das primaveras,
como assinalou o filósofo Frédéric Gros, este mundo com as suas
desigualdades abissais, que assiste ao desmoronar dos seus alicerces naturais numa corrida suicidária para diante, enquanto nós,
entre a impotência da maioria e o
egoísmo demencial de alguns, de
uma irresponsabilidade letal, deixamos para trás um legado nauseabundo às gerações futuras.
Carlos de Oliveira talvez venha a ser o mais urgente dos poetas da nossa contemporaneidade, porque a sua
obra soube exprimir como mais
nenhuma outra o desafio que
hoje se impõe à arte e ao engenho humanos, isto se ainda for
intenção nossa a de resistir à era
da indecência para a qual fomos
atirados pelas condições de exploração imposta pelo regime
em que vivemos, com o enriquecimento hoje a fazer-se em detrimento da humanidade futura.
«E se a poesia é como queria
Maiakovski uma ‘encomenda
social’», lembra Carlos de Oliveira, «o que a sociedade pede
aos poetas de hoje, mesmo
que o peça nebulosamente,
não anda longe disto: evitar
que a tempestade das coisas
desencadeadas nos corrompa
ou destrua».
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