sábado, 28 de agosto de 2021

Carlos de Oliveira: entre o neorrealismo e a lírica

Imagem via SOL
Carlos de Oliveira, de quem se assinala o centenário do nascimento (10.8.1921-1.7.1981) é um escritor que se afirmou como uma das quatro figuras de referência na lírica (a par de Jorge de Sena, Herberto Helder e Ruy Belo).
Primeiro que tudo, Carlos de Oliveira ainda foi um homem, o que não é pouco, nem como exemplo para os demais. Tendo nascido no Brasil, em Belém do Pará, Amazónia, onde estavam emigrados os pais, com apenas dois anos Carlos de Oliveira voltou para Portugal, tendo passado a infância na árida região da Gândara, tendo os caminhos e veredas da região sido mais do que transpostos, num certo sentido foram (re)criados na sua obra, de tal modo que Osvaldo Manuel Silvestre admite que seja impossível hoje falar-se da Gândara sem ter como referência capital a história que esta nos conta sobre aquele território.
Como escreveu outro poeta, Manuel de Castro, «chama-se um homem ao que sabe o que está fazendo». A esse que em vez de se servir dele para jogos de exibição, realmente pode com o peso do seu coração. Quando tantos apenas obedecem ao seu egoísmo e o fazem com espalhafato, Carlos de Oliveira, como lembrava no ano da sua morte Eduardo Prado Coelho, odiava o espectáculo. Foi, por isso, dando por si exilado do tempo que absorvia tudo ao redor. Vivia crescentemente exasperado com tudo aquilo que já então se pressentia, esta terra que se demarca pelo fim das primaveras, como assinalou o filósofo Frédéric Gros, este mundo com as suas desigualdades abissais, que assiste ao desmoronar dos seus alicerces naturais numa corrida suicidária para diante, enquanto nós, entre a impotência da maioria e o egoísmo demencial de alguns, de uma irresponsabilidade letal, deixamos para trás um legado nauseabundo às gerações futuras. 
Carlos de Oliveira talvez venha a ser o mais urgente dos poetas da nossa contemporaneidade, porque a sua obra soube exprimir como mais nenhuma outra o desafio que hoje se impõe à arte e ao engenho humanos, isto se ainda for intenção nossa a de resistir à era da indecência para a qual fomos atirados pelas condições de exploração imposta pelo regime em que vivemos, com o enriquecimento hoje a fazer-se em detrimento da humanidade futura. 
«E se a poesia é como queria Maiakovski uma ‘encomenda social’», lembra Carlos de Oliveira, «o que a sociedade pede aos poetas de hoje, mesmo que o peça nebulosamente, não anda longe disto: evitar que a tempestade das coisas desencadeadas nos corrompa ou destrua».

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