Via Revista Visão
«“Também fui uma vítima. Depois, entrei
no negócio, mas não quero voltar a essa
vida. Os trabalhadores eram enganados
e roubados... E não pode valer tudo só
por dinheiro. Eu acredito na Humanidade.” A confissão de Vijay Kandel, 31 anos,
surge, inesperadamente, durante uma
conversa que acontece num velho banco de madeira do Largo Gomes Freire,
também conhecido como “quintalão”, o
local mais central de São Teotónio. Esta
é uma das duas freguesias do concelho
de Odemira enclausurada por uma cerca sanitária desde a passada sexta-feira, 30, devido ao elevado número de contágios de Covid-19 registados na região. A
outra é Longueira/Almograve, a pouco
mais de 20 quilómetros de distância.
As quintas que contratam prestadores de serviços chegam a oferecer
€9 por hora de trabalho, que pagam ao
intermediário e não diretamente ao trabalhador, o qual recebe à volta de €3,70,
depois de descontadas as margens dos
angariadores, que só costumam garantir
o transporte, já que as rendas são pagas
à parte.
Vijay Kandel não tem dúvidas de que
a principal raiz do problema é a habitação. “Há poucas casas e muitas pessoas.”
E os intermediários aproveitam-se
disso, já que são eles quem, habitualmente, aluga as casas aos senhorios para
depois as subalugar aos trabalhadores.
“Quando são os prestadores de serviços a garantir o alojamento, vive muito
mais gente na mesma casa porque eles
só pensam em ganhar mais dinheiro
com os funcionários”, diz. Um exemplo
ilustrativo: numa habitação com quatro
assoalhadas, e uma renda mensal de
€500, podem viver cinco pessoas em
cada divisão. Cada uma delas paga à
volta de €125 ao angariador, que recebe
€2 500, mais 400% do que a renda real.
“É um bom negócio, não é?”, interroga,
sabendo a resposta.
Quanto aos líderes destas redes,
Vijay Kandel é evasivo. “São imigrantes e portugueses porque é um bom
negócio para todos.” Excepto para os
trabalhadores.
A Associação Solidariedade Imigrante tem vindo a denunciar casos
de trabalhadores que veem os seus
documentos retidos pelos patrões ou
perdem o acesso online ao Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF), essencial para solicitarem autorização de
residência. Actualmente, o SEF tem 32
inquéritos-crime a decorrer em várias
comarcas do Alentejo pelos crimes de
tráfico de pessoas, auxílio à imigração
ilegal e angariação de mão de obra ilegal.
E o Ministério Público está a investigar
11 casos de auxílio à imigração ilegal só
em Odemira.
O modus operandi dos criminosos é
semelhante. Os trabalhadores ficam totalmente vulneráveis aos angariadores,
que lhes alugam as casas, garantem o
transporte e, até, a alimentação. Muitas
vezes, também exigem avultadas quantias em troca de documentos legais,
como contratos de trabalho, número de
contribuinte ou de utente da Segurança
Social (SS). Alguns cobram os descontos
à SS, por exemplo, mas não os entregam
ao Estado.»
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