Via João Miguel Amorim |
O tema da peça é simples e conta-se rapidamente. Gira em torno da aventura sentimental da família Trapp: uma freira apaixona-se pelo barão viúvo com sete filhos e foge dos nazis a cantar num festival de Salzburg.
Contudo, sobre este “Música no Coração” representado este fim de semana no CAE pelo SIT – e que bem que estiveram os “amadores” de Tavarede – recorrendo a Lauro António, pode dizer-se algo mais.
«“The Trapp Family Singers”, foi a biografia escrita por Maria Augusta Trapp, publicada em 1947, quando a família já tinha terminado a sua carreira como cantores, contando as mirabolantes peripécias de uma preceptora de criancinhas que interrompe o seu estágio para freira para descobrir a verdadeira “vida” na casa dos Trapp, com todo o seu caudal de promessas de felicidade e ameaças de tragédia. Com base nesta autobiografia, surgiu na RFA, em 1956, um filme, “Die Trapp-Familie” (ou “The Trapp Family”), assinado por Lee Kresel e Wolfgang Liebeneiner, com argumento de George Hurdalek e Herbert Reinecker, que parece estar na origem do interesse dos produtores norte-americanos. Entre os intérpretes, contava-se a memorável Ruth Leuwerik (no papel de Maria), ao lado de Hans Holt (Barão von Trapp), Maria Holst, Josef Meinrad, Friedrich Domin, Hilde von Stolz, Agnes Windeck, Gretl Theimer, etc. Na estreia, a baronesa Von Trapp, sobrevivente ainda da gesta coral da família, teve uma deixa memorável: “Nada é verdadeiro, mas é tudo maravilhoso!” A música era de Franz Grothe, e a premissa do filme enquadrava-se bem no espírito da reconstrução alemão, “para todos os problemas, há uma solução”.
O realizador Wolfgang Liebeneiner era um homem experimentado neste tipo de obras, e teve um sucesso inequívoco. Há no argumento desta obra um final que deixa supor que a família Trapp fugiu da Alemanha nazi directamente para os EUA, o que não aconteceu na realidade, pois ficaram na Europa e só em 1939 iniciaram a tournée pelos Estados Unidos. Essa estadia daria origem a uma continuação, “Die Trapp-Familie in Amerika” (“The Trapp Family in America”) (1958), desta feita dirigida unicamente por Wolfgang Liebeneiner. Ruth Leuwerik regressaria no papel da Baronesa von Trapp, e Hans Holt, no de Barão von Trapp.
Foram estes filmes, e a biografia escrita, que inspiraram Oscar Hammerstein II a escrever as líricas e Richard Rodgers a compor a música para um guião de Hopward Lindsay e Russell Crouse, que subiu a cena no Lunt-Fontanne Theatre (Nova Iorque), em 16 de Novembro de 1959, para iniciar uma carreira épica na história do musical norte-americano. Mary Martin e Theodore Bikel eram os protagonistas inspirados que “conquistaram os corações” de todos os espectadores na noite da estreia, com excepções de alguns críticos que colocaram ressalvas a este espectáculo. Mas neste caso os críticos escreveram e a caravana passou incólume. O sucesso estava na rua. Nada o detinha.»
Foto Pedro Agostinho Cruz |
Foi pois esta peça que vi ontem num CAE esgotado pelo público.
Esta montagem dos “amadores” do SIT de “Música no Coração” foi surpreendente e encantadora. A encenação e o trabalho da equipa que João Miguel Amorim dirigiu, para mim, que não sou crítico teatral, foi de grande nível artístico. Quase sem pontos mortos, a trama que narra a odisseia da Família Von Trapp, poderia facilmente descambar para um moralismo irritante, por já não ser dos dias que passam, foi um obstáculo ultrapassado pela encenação talentosa e engenhosa de João Miguel Amorim.
Logo no início da representação sente-se a atmosfera pesada e prenunciadora de tempestade. As cenas que se passam no convento, por exemplo, não são meras convenções pitorescas, mas momentos carregados de um clima forte, sustentados em cantos graves, entre-cortados por irónicas referências. O drama que se vai apoderando da família Trapp é também ele bem desenvolvido, até culminar na fuga de Áustria, perante a ameaça nazi. Há sequências de uma imaginação de encenação notável, como por exemplo, a apresentação da família de cantores, durante o festival de Salszburgo, a fuga final…
Quem se deslocou este fim de semana ao CAE teve oportunidade de ver um grande espectáculo, a provar que na Figueira existe talento. Assim haja condições para que os melhores possam trabalhar. Os “amadores” de Tavarede estão de parabéns: deram o melhor de si para nos proporcionarem o grande espectáculo que estava na ideia de quem o idealizou e realizou.
Pela minha parte só consigo dizer obrigado pela oportunidade que me deram de poder ver um grande espectáculo de teatro (não falo só de musicais!) a que tive o prazer assistir ao vivo.
Parabéns à Sociedade de Instrução Tavaredense. Iniciou da melhor maneira possível, com esta extraordinária representação do musical "Música no Coração", as comemorações do 116º. aniversário.
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