"Figueira da Foz. Erosão costeira, um problema, três dimensões diferentes"
"Desde o prolongamento em 400 metros do molhe norte do porto comercial,
um investimento de 14,6 milhões de euros, inaugurado em 2011, a erosão
nas praias a sul acentuou-se, com destruição da duna de protecção
costeira em vários locais, com especial ênfase na praia da Cova, alvo de
duas intervenções de emergência nos últimos anos, a última concluída
este verão.
Em junho, o Governo anunciou a transferência,
por dragagem, de três milhões de metros cúbicos (m3) de areia, de uma
zona no mar a norte do molhe norte do porto da Figueira da Foz para
combater a erosão das praias a sul e garantir a navegabilidade na barra
do rio. O projecto, orçado em 19 milhões de euros, deverá começar em 2020
e o presidente da Câmara, Carlos Monteiro, aplaude a iniciativa.
“A areia que está a mais no canal, que está a mais na entrada do porto, é colocada para abastecer as praias a sul. Todos ganhamos e resolvemos aqui um problema que foi causado pelo porto, mas que foi causado porque a actividade portuária na nossa cidade também é extremamente importante”, disse à agência Lusa Carlos Monteiro.
O autarca enfatizou que o projecto a iniciar em
2020 “é um trabalho a quatro, cinco anos”, já que três milhões de
metros cúbicos de areia representam um valor entre os cinco e os sete
milhões de toneladas (a densidade da areia molhada situa-se entre os
1.700 e os 2.300 quilos por m3), o que equivale a uma fila compacta de
camiões com cerca de 1.500 quilómetros.
“Mas é um trabalho para a vida, vai ter de ser
um trabalho constante”, assinalou Carlos Monteiro, dizendo acreditar
que, “no mínimo”, com a decisão governamental e a articulação entre
ministérios, autarquia e administração portuária, “foi dado um passo
incontornável para resolver um problema que se resolve da maneira mais
eficiente”.
“Já ninguém permite que se usem mal os
dinheiros públicos. E esta é uma situação em que ele é bem aplicado, é
bem gerido”, afirmou.
O movimento SOS Cabedelo leva cerca de uma
década de intervenção cívica relacionada com a questão das areias e os
seus impactes, quer na erosão a sul do Mondego, quer na acumulação a
norte do rio, por acção da «barreira» do molhe norte. A praia da Figueira
da Foz é o maior areal urbano da Europa, continua a crescer e a afastar
o mar da cidade, está “completamente soterrada” e é um “desastre
ecológico” que não se resolve com a medida governamental, argumenta
Miguel Figueira.
O SOS Cabedelo defende a instalação de um
sistema de transferência mecânica de areias entre as margens do Mondego,
conhecido por ‘bypass’, porque, de acordo com Miguel Figueira, esta
solução “ataca os três problemas”: a erosão a sul, a acumulação a norte e
a navegabilidade na barra do rio, por onde se faz o acesso ao porto
comercial e ao porto de pesca.
Desde 2011 que o movimento pugna pela
realização de um estudo económico do ‘bypass’ – recomendação ao Governo
aprovada no Parlamento em 2017 -, tendo este ano sido lançado um
concurso público para uma análise custo/benefício daquele sistema face a
outros, como as dragagens, orçado em cerca de 300 mil euros.
Apesar de o concurso estar lançado, Miguel
Figueira não deixa de criticar o anúncio do investimento de 19 milhões
de euros na transferência de três milhões de metros cúbicos de areia,
que, defende, “não garante sustentabilidade absolutamente nenhuma” a
longo prazo, clamando que “é duas vezes má despesa”.
“Estamos a pagar uma análise de custo/beneficio depois de fazer o investimento. E depois de fazer o investimento, se calhar já não há dinheiro para por em prática as conclusões do estudo. Mais uma vez, adiámos por um ou dois anos um problema e neste adiamento esgotámos a verba que nos permitiria garantir a sustentabilidade a longo prazo”, argumentou.
O extenso areal urbano localizado entre o
molhe norte e a vila piscatória de Buarcos tem 110 hectares (o
equivalente a 154 relvados de futebol), o que significa que metade da
cidade caberia na praia.
A quantidade de areia ali depositada nunca foi
medida – a praia tem vários metros de altura a nascente e a sul, mas
essa altura não é uniforme ao longo do areal – sabendo-se, apenas, que a
distância da avenida ao mar ultrapassa os 700 metros no seu ponto mais
largo e continua a aumentar.
O surfista e elemento do SOS Cabedelo, Eurico
Gonçalves, olha para o extenso areal e diz acreditar que “o maior
tesouro, o tesouro do surf, está soterrado na Figueira da Foz”,
escondido pela areia e que é uma “inevitabilidade” que reapareça.
O tesouro, explica o surfista, é a onda que
“quebrava” na praia antes da implementação dos molhes portuários, na
década de 1960 e que terá sido surfada, vinte anos antes, por um
figueirense, Nunes Fernandes, construtor da primeira prancha de surf na
Europa, de acordo com os registos existentes.
“Acreditamos mesmo que é uma inevitabilidade
retirar toda aquela areia, [da praia], temos de usar aqueles sedimentos
na protecção da orla costeira”, defendeu Eurico Gonçalves.
Via Diário as Beiras
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