Cortaram a água a… Eça de Queirós.
"... V. Ex.ª, pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo. V. Ex.ª fornecia, eu pagava. Faltamos evidentemente à fé deste contrato: eu, se não pagar; V. Ex.ª, se não fornecer.
Se eu não pagar, V. Ex.ª faz isto: corta-me a canalização. Quando V. Ex.ª não fornecer, o que hei-de eu fazer com o Senhor?
É evidente que, para que o nosso contrato não seja verdadeiramente leonino, eu preciso, no caso análogo àquele em que V. Ex.ª me cortaria a minha canalização, de cortar alguma coisa a V. Ex.ª. Oh! e hei-de cortar-lha!…
Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos. Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e razoável, perante o direito e a justiça distributiva; quero cortar uma coisa a V. Ex.ª!
Rogo-lhe, Exm.º Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V. Ex.ª.
Tenho a honra de ser
De V. Ex.ª,
Com muita consideração e com umas tesouras,
Eça de Queirós" - (Via Mário Frota)
Nota de rodapé.
“O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. O povo está na miséria. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. O tédio invadiu as almas. A ruína económica cresce. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. O Estado tem que ser considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo”.
Portugal continua como em 1800 e tal...
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