Uma imagem das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, realizadas nesse dia 25 de abril de 1975, que jamais vou esquecer, que tiveram a participação de mais de 90% dos eleitores... |
Passo a citar.
"As interpretações possíveis dos resultados eleitorais são tantas quantas aqueles que a isso se quiserem dedicar. Já assistimos à transformação de tremendas derrotas em vitórias, o que normalmente ocorre por parte de quem de facto não conseguiu os seus objetivos eleitorais. Como fomos testemunhas de análises que derrotam definitivamente os adversários mesmo quando as respetivas metas foram alcançadas. Sim porque isto de ganhar eleições tem muito a ver com os objetivos das candidaturas. Ninguém acreditaria, por exemplo, que um pequeno partido, de repente, por artes mágicas, transmutasse a sua votação habitual numa vitória por maioria absoluta. Como é difícil de imaginar que os partidos tradicionalmente do “arco do poder”, de repente, perdessem toda a sua representação. Podem porém traduzir-se com razoável probabilidade de ausência de contraditório alguns dos números que resultam da verificação dos resultados finais.
Um deles é, sem dúvida, a evolução da abstenção. Em concreto, o valor da abstenção tem vindo a crescer significativamente na Figueira da Foz: 40,63% em 2001, 42,55% em 2005, 42,78% em 2009 e 52,29% (!) em 2013.
De cerca de 33000 votantes em 2001, apenas 25000 se apresentaram nas últimas eleições, apesar do número de inscritos ter subido cerca de 3000 eleitores desde 2001.
Será que os candidatos se vão predispor a refletir sobre isto, ou será que a abstenção vai subir ao poder?"
Nota de rodapé.
É verdade que a abstenção não coloca em causa a legitimidade dos eleitos. Contudo, torna-os vulneráveis, enfraquece a consistência social e política da sua representatividade e menoriza a democracia representativa.
O certo, porém, é que desde as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, realizadas nesse dia 25 de abril de 1975, que jamais vou esquecer, que tiveram a participação de mais de 90% dos eleitores, que o aumento da abstenção se tornou num problema crónico e cada vez mais grave da nossa democracia.
Repito, para que não restem dúvida.
A abstenção não põe em causa a legitimidade dos eleitos, mas vulnerabiliza-os. Todavia, os mandatos ficam mais fracos do que se houvesse ampla participação eleitoral e mobilização da cidadania.
Existe a ideia, falsa, de que quanto maior a proximidade dos órgãos a eleger, mais alta é a participação eleitoral.
Não é verdade. As eleições autárquicas têm normalmente participação mais baixa do que as eleições legislativas.
E, desde a entrada no século XXI, a abstenção tem vindo a subir continuamente. A partir do ano 2000 - a Figueira da Foz, conforme a crónica de Daniel Santos sublinha, confirma isso - iniciou-se um caminho que nos conduziu a um estado em que mais de metade do total dos eleitores não votam.
É difícil encontrar outro tão forte e evidente sinal de fracasso de um sistema político: mais de metade dos cidadãos do nosso concelho não se interessam e não querem saber da sua vida e da gestão da sua cidade.
A origem do problema - os políticos sabem isso - está no funcionamento deficiente dos partidos. As manobras, as jogadas de bastidores, os truques, os jogos dos aparelhos partidários, foram desgostando e afastando os cidadãos e minimizando o exercício da cidadania. Primeiro, da participação. Depois, também do próprio exercício do direito ao voto.
Cada vez menos pessoas olham para os partidos como expressão das suas preocupações. Cada vez mais pessoas deixaram de ver os deputados como representantes do Povo. Cada vez mais pessoas olham para os deputados como papagaios amestrados para servirem cegamente e sem sentido crítico as direcções partidárias.
Entretanto - e isso é o mais grave para a saúde da democracia - o sistema parece estar de pedra e cal.
Porquê?
Simplesmente, porque a reforma necessária, teria de ir no sentido de atrair o envolvimento da cidadania, reforçar o poder de escolha dos eleitores, limitar e diminuir o poder absoluto dos directórios – e os directórios partidários não querem, mandam e não deixam.
O efeito deste estado de coisas é o que sabemos: a deterioração do sistema, a degradação da vida política e o definhamento da democracia.
Mas, isso, interessa pouco aos políticos no poleiro.
O importante, para eles, é garantir o "tacho", nem que para isso se tenham de prestar a todas as "panelinhas".
Excelente reflexão, subscrevo. Pena que as candidaturas independentes, mesmo que contempladas no quadro jurídico, continuam de alguma forma capturadas pelos partidos e seus caciques locais, aos quais nada interessa alterar a lei por forma a permitir condições de eligibilidade não onerosa para os movimentos cívicos independentes.
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