Conheço quem gostaria de ter vivido noutra época e noutra latitude.
Não sou desses. Desde logo, porque valorizo acima de quase tudo o prazer de ser livre.
Daí, hoje, sentir-me feliz por em 25 de Abril de 1974, ter vinte anos, idade que já me permitiu ver a libertação do meu país.
Deste modo, os meus 62 anos de idade são uma riqueza pessoal e o tesouro mais valioso do meu sentir o que é ser português e figueirense: ter vivido 42 deles em Liberdade.
Antes de Abril de 1974, isto era um filme a preto e branco.
Depois, vivi a Festa. As pessoas manifestavam-se, falavam, participavam e riam. As ruas encheram-se de gente, gente que arrastava mais mais gente cheia de esperança na Democracia.
Havia alegria no ar. Música que cantava a recém-nascida liberdade deste meu país e desta minha cidade. O sussurro deu lugar ao grito. Pelo ar ecoavam gritos de Liberdade de palavras agitadas e imensas bandeiras coloridas.
E vieram à luz do dia mais palavras, palavras não novas, mas existentes até então escondidas no segredo da clandestinidade e que se passaram a pronunciar alto.
Palavras simples, lindas e belas como Liberdade e Igualdade. Palavras horríveis e feias como fascismo e repressão.
Todas elas, finalmente, permitidas de gritar à luz do sol.
No meu país e na minha cidade já não havia palavras proibidas.
Quarenta e dois anos depois do 25 de Abril, alguns ainda vivemos Liberdade. Outros, apenas, em liberdade. Mas, todos com medo.
O tempo que vivemos, de austeridade imposta, é a própria antecâmara do medo. Medo de não ter trabalho. Medo de falar e perder o lugar do sustento (há mais quinhentos na fila, dispostos a trabalharem cada vez por menor salário). Medo de não ter acesso à saúde e à farmácia. Medo de se ter que trabalhar (os que puderem) até morrer. Medo da usurpação das reformas. Medo da ausência de esperança para os nossos. Medo da opinião opressiva e única. Medo da ausência de alternativa política. Medo de uma Europa que deixou de privilegiar o social e de ser integradora. Medo de um futuro similar a um passado que se pensou ter ficado definitivamente para trás. Medo de uma liberdade que é cada vez mais formal. Medo desta liberdade do medinho e do respeitinho, que não é a Liberdade.
Em outubro de 2016, também na Figueira, Abril murchou. Até já temos reuniões de câmara realizadas à porta fechada!
Mas, se este é um já um Abril distante, no tempo, daquele Abril de 74, Abril, aquele Abril de 1974, continua sempre perto do meu sentir e do meu viver.
Uma pequena nota: sem aquele de Abril de 1974, por exemplo, seria impensável ler no jornal que "ao que se sabe, a Figueira possui uma alta taxa de desemprego, sobretudo quando comparada com os outros concelhos do distrito", ou ter acesso à praga de um blogue como este!..
É um pequeno detalhe para sublinhar que, de tudo aquilo que aquele Abril de 1974 nos trouxe, o mais importante foi a Liberdade.
Ter a noção disto, é importante para se compreender muita coisa que se passa, no tempo que passa, na Figueira da Foz.
Que falta que faz Eça, que criticou, há mais de cem anos, a sociedade elitista, hipócrita, injusta e medíocre em que viveu...
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