Há algo de Ano Santareno, que não deveria passar despercebido ao vereador da Cultura da Câmara Municipal da Figueira da Foz, neste 2016 em que a reedição de um livro, uma exposição documental e dois projectos de teatro tocam o universo denso, tenso, e trágico, da obra do dramaturgo fundeada na sua experiência pessoal, enquanto médico, na Faina Maior.
O Museu Marítimo de Ílhavo associou-se à reedição da obra “Nos Mares do Fim do Mundo”, de Bernardo Santareno. Esta edição, construída em parceria com a editora e-Primatur, está inserida num projecto cultural mais amplo a que se junta uma exposição, intitulada “Bernardo Santareno, um médico na frota bacalhoeira” e uma peça de teatro de comunidade intitulada “O Lugre - Projecto de Teatro Comunitário”, dirigida pelo encenador Graeme Pulleyn.
O livro chegou há dias, como navio fantasma que ninguém esperasse, pintado de fresco, e mais carregado. E nele regressam Artur Braga, que bebeu o sangue de um cão para não enlouquecer de sede após dias à deriva no mar; Zé Pinto, que se sonhou nas profundezas do oceano, horas antes de desaparecer para sempre, nas águas geladas da Gronelândia; e Rosa Bailão, que, reza a lenda, atirou foguetes para celebrar a chegada de um lugre bacalhoeiro onde afinal já não vinha o seu homem. Nele voltamos a reencontrar também os verdes, aprendizes de pescadores impreparados para lidar com o amor e com a morte, e maduros, como Ti Zé Caçoilo, que, longe dos seus amores, a enfrentaram, à morte, sozinhos nos seus botes, dezenas de vezes e viveram para contá-lo a um médico e escritor que navegou com eles, e com as suas histórias, Nos Mares do Fim do Mundo.
O livro de crónicas escrito por Bernardo Santareno* em 1959 tem uma nova edição, aumentada com dois textos e fotografias inéditas, levada ao prelo pela E-primatur, com o apoio do Museu Marítimo de Ílhavo, num ano em que uma exposição, e dois projectos de teatro comunitário, seguem a corrente do labor do dramaturgo em torno da Faina Maior. Essa saga que mobilizou um Estado, e milhares de portugueses, durante a ditadura, mas a que poucos escritores prestaram atenção, transformando Os Mares do Fim do Mundo, e a peça que, a partir desta obra, Santareno haveria de publicar no mesmo ano de 1959, O Lugre, numa dupla de textos excepcional pela coragem com que o dramaturgo se atirou a uma leitura da pesca do bacalhau nada condizente com o rumo traçado pela propaganda Salazarista.
Nota de rodapé.
* Bernardo Santareno é o pseudónimo literário de António Martinho do Rosário (1920 - 1980), considerado o maior dramaturgo português do século XX.
Licenciou-se em medicina em 1950 e entre 1957 e 1959 exerceu actividade médica junto da frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova.
Esta experiência deu origem a uma colecção de textos escritos em pequenos blocos de notas e que mais tarde resultariam no “Nos Mares do Fim do Mundo - Doze Meses com os Pescadores Bacalhoeiros Portugueses, por Bancos da Terra Nova e da Gronelândia” e também estiveram na origem de duas das suas mais famosas peças: O lugre e a A promessa.
Bernardo Santareno iniciou-se na escrita como poeta sendo os seus três primeiros livros colecções de poesia.
A partir de 1957, o teatro foi registo de eleição, tendo escrito 15 peças.
António Martinho do Rosário, nascido em Santarém e médico de formação, era o nome verdadeiro de um dos maiores dramaturgos portugueses do séc. XX - Bernardo Santareno.
Ao consultar este espaço, hoje fico mais rico.
ResponderEliminarNão sabia que Santareno tinha trabalhado com pescadores do bacalhau.
Lembro Santareno pela sua militância anti fascista, de esquerda e escritor, mas como médico da frota do bacalhau, desconhecia.
Visitar o Museu de Ílhavo é uma obrigação pedagógica e de respeito pela luta de milhares de pescadores do bacalhau.
Uma experiência inolvidável.
Já passaram 20 anos desde o momento em que um grupo de jovens dava os primeiros passos no teatro na pequena aldeia de Campo Benfeito, perdida entre labirínticos caminhos e montes que serpenteiam a Serra do Montemuro.
Foi aí que conheci Graeme Pulleyn, de quem sou amigo há muitos anos.
Rapaz de grande valor artístico e estou certo que vai fazer um excelente trabalho.
Obrigado, "Outra Margem".