terça-feira, 2 de junho de 2015

Coisas que eu gosto de valorizar: a Liberdade, a responsabilidade e a dignidade

A vida, pelo menos no meu entendimento, é feita de opções.
Foi isso a minha vida: bem cedo, fiz as minhas opções.
Desde os meus 20 anos que coloquei acima de muitas coisas o prazer de ser livre e viver com dignidade.
Foi com essa idade que tive a felicidade de presenciar a libertação do meu país. Foi com essa idade que decidi que, a mim, ninguém mais fecharia “as portas que Abril abriu”.
Ser, em 2015, menos jovem é o que de mais importante me poderia ter acontecido, pois isso permitiu-me viver o 25 de Abril de 1974, que trouxe algo de verdadeiramente novo para a vida dos portugueses.

A Liberdade, nessa altura, estava a chegar por aqui e,  eu, então um  jovem de 20 anos e  perante a grandeza  do momento, também cresci.  Aliás, não tinha alternativa: poucos dias depois, a 6 de Junho desse mesmo ano de 1974 morreu o meu Pai e eu vivi um momento marcante, por ter sido o mais amargo da minha existência até ao momento.
Só o futuro, porém, me  ajudou  a entender a verdadeira amplitude desse “dia inteiro e limpo”

Nesse dia, fui trabalhar - nessa altura era empregado de escritório numa empresa de pesca – mas estive sempre com o ouvido no RCP,  a escutar a voz grave e única de Luís Filipe Costa,  que começava sempre os comunicados do MFA desta forma: “Aqui posto de comando das Forças Armadas”.
Desse dia 25 de Abril de 1974 no trabalho, recordo  o alvoroço, o regozinho e o entusiasmo pela nova era de alguns colegas, quase todos felizmente ainda vivos. 
Lembro, sobretudo,  a expectativa de um futuro  livre, sem palavras proibidas – nesse momento, a mudança anunciava-se incontida.

Portugal, nessa altura, era uma sociedade a preto e branco, como um livro de colorir - a preto e branco, como todos os livros de colorir.
Portugal, nessa altura, apresentava-se apenas com contornos desenhados à espera de ser colorido, como todos os livros de colorir.
Foi isso que eu entendi logo em 25 de Abril de 1974. E foi por isso, que decidi, que era importante, tentar colorir a minha parte.
Como nunca tive muito dinheiro, só consegui comprar um simples lápis de cor – verde, que é a cor da esperança.

Mas, as cores são muitas e outros com outros meios e outros poderes, têm colorido o meu país de rosa e de laranja -  e no meu País voltou a haver iniciativas condicionadas.
Como a minha vida sempre foi feita de opções, eu continuo a preferir palavras bonitas como liberdade e igualdade, a palavras feias como censura.
Abril (embora já distante - 41 anos depois daquele Abril de 74), Sempre!

1 comentário:

  1. A Arte de Furtar03 junho, 2015 17:01

    Queixa das almas jovens censuradas

    Dão-nos um lírio e um canivete
    E uma alma para ir à escola
    E um letreiro que promete
    Raízes, hastes e corola.

    Dão-nos um mapa imaginário
    Que tem a forma duma cidade
    Mais um relógio e um calendário
    Onde não vem a nossa idade.

    Dão-nos a honra de manequim
    Para dar corda à nossa ausência.
    Dão-nos o prémio de ser assim
    Sem pecado e sem inocência.

    Dão-nos um barco e um chapéu
    Para tirarmos o retrato.
    Dão-nos bilhetes para o céu
    Levado à cena num teatro.

    Penteiam-nos os crânios ermos
    Com as cabeleiras dos avós
    Para jamais nos parecermos
    Connosco quando estamos sós.

    Dão-nos um bolo que é a história
    Da nossa história sem enredo
    E não nos soa na memória
    Outra palavra para o medo.

    Temos fantasmas tão educados
    Que adormecemos no seu ombro
    Sonos vazios, despovoados
    De personagens do assombro.

    Dão-nos a capa do evangelho
    E um pacote de tabaco.
    Dão-nos um pente e um espelho
    Para pentearmos um macaco.

    Dão-nos um cravo preso à cabeça
    E uma cabeça presa à cintura
    Para que o corpo não pareça
    A forma da alma que o procura.

    Dão-nos um esquife feito de ferro
    Com embutidos de diamante
    Para organizar já o enterro
    Do nosso corpo mais adiante.

    Dão-nos um nome e um jornal,
    Um avião e um violino.
    Mas não nos dão o animal
    Que espeta os cornos no destino.

    Dão-nos marujos de papelão
    Com carimbo no passaporte.
    Por isso a nossa dimensão
    Não é a vida. Nem é a morte.

    Natália Correia (13/9/1923 - 16/3/1993)
    Poesia Completa- Publicações Dom Quixote (1999).

    (Para muitos de nós esta leitura é também um exercício musical, não é?)

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