A vida, pelo menos no meu entendimento, é feita de opções.
Foi isso a minha vida: bem cedo, fiz as minhas opções.
Desde os meus 20 anos que coloquei acima de muitas coisas o
prazer de ser livre e viver com dignidade.
Foi com essa idade que tive a felicidade de presenciar a
libertação do meu país. Foi com essa idade que decidi que, a mim, ninguém mais
fecharia “as portas que Abril abriu”.
Ser, em 2015, menos jovem é o que de mais importante me
poderia ter acontecido, pois isso permitiu-me viver o 25 de Abril de 1974, que
trouxe algo de verdadeiramente novo para a vida dos portugueses.
A Liberdade, nessa altura, estava a chegar por aqui e, eu, então um jovem de 20 anos e perante a grandeza do momento, também cresci. Aliás, não tinha alternativa: poucos dias
depois, a 6 de Junho desse mesmo ano de 1974 morreu o meu Pai e eu vivi um momento marcante, por ter sido o mais amargo da minha existência até ao momento.
Só o futuro, porém, me
ajudou a entender a verdadeira
amplitude desse “dia inteiro e limpo”.
Nesse dia, fui trabalhar - nessa altura
era empregado de escritório numa empresa de pesca – mas estive sempre com o
ouvido no RCP, a escutar a voz grave e única de
Luís Filipe Costa, que começava sempre
os comunicados do MFA desta forma: “Aqui posto de comando das Forças Armadas”.
Desse dia 25 de Abril de 1974 no trabalho, recordo o alvoroço, o regozinho e o entusiasmo pela
nova era de alguns colegas, quase todos felizmente ainda vivos.
Lembro, sobretudo, a expectativa de um futuro livre, sem palavras proibidas – nesse momento,
a mudança anunciava-se incontida.
Portugal, nessa altura, era uma sociedade a preto e branco,
como um livro de colorir - a preto e branco, como todos os livros de colorir.
Portugal, nessa altura, apresentava-se apenas com contornos
desenhados à espera de ser colorido, como todos os livros de colorir.
Foi isso que eu entendi logo em 25 de Abril de 1974. E foi por isso, que decidi, que era importante, tentar colorir a minha parte.
Como nunca tive muito dinheiro, só consegui comprar um simples lápis de
cor – verde, que é a cor da esperança.
Mas, as cores são muitas e outros com outros meios e outros poderes,
têm colorido o meu país de rosa e de laranja - e no meu País voltou a haver iniciativas
condicionadas.
Como a minha vida sempre foi feita de opções, eu continuo a preferir palavras bonitas como liberdade e igualdade, a
palavras feias como censura.
Abril (embora já distante - 41 anos depois daquele Abril de 74), Sempre!
Queixa das almas jovens censuradas
ResponderEliminarDão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.
Natália Correia (13/9/1923 - 16/3/1993)
Poesia Completa- Publicações Dom Quixote (1999).
(Para muitos de nós esta leitura é também um exercício musical, não é?)