segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A praxe mata, às vezes o corpo, mas sempre a cabeça

«Ao institucionalizar a obediência aos mais absurdos comandos, a humilhação dos caloiros perante os veteranos, a promessa era a do exercício futuro do mesmo poder de vexame, mostrando como o único conteúdo da praxe é o da ordem e do respeito pela ordem, assente na hierarquia do ano do curso.
Mas quem respeita uma hierarquia ao ponto da abjecção está a fazer o tirocínio para respeitar todas as hierarquias. Se fores obediente e lamberes o chão, podes vir a mandar, quando for a tua vez, e, nessa altura, podes escolher um chão ainda mais sujo, do alto da tua colher de pau. És humilhado, mas depois vingas-te.»
A abjecção das praxes, por José Pacheco Pereira.


«Não basta acharmos que o estudante comum, que aceita a praxe ou a põe em prática, é um simples e acéfalo maria-vai-com-as-outras, controlado quase sempre pelos medíocres «veteranos», que veem nestes momentos uma ocasião única para fruírem da autoridade e do reconhecimento que jamais terão no resto das suas vidas. E também não podermos forçá-lo a ler Wilhelm Reich para compreender a psicologia de massas do fascismo e reconhecer o modo como o caminho da submissão cega à hierarquia e ao império do mesmo é um passo curto para o reino uno da escravidão. Mas podemos impedir por regulamento – podem-no o Estado, as universidades, as associações de estudantes, os partidos políticos, as famílias (que por vezes têm também responsabilidades nesta matéria), até as juventudes partidárias (para algo de socialmente positivo podem elas servir) – que o pequeno totalitarismo praxista se instale e governe as escolas superiores e o universo estudantil a seu bel-prazer.
Mesmo sem proibir as praxes, o que não me parece de todo possível ou sequer saudável, até porque poderia provocar como efeito oposto a sua proliferação não-controlada, é possível conter formalmente os excessos e a loucura das suas práticas mais violentas e obsessivas. Depois competirá aos próprios estudantes perceberem que existem atividades bem melhores, mais emocionantes e integradoras, mais divertidas até. E procurarem-nas, fazendo delas alimento da melhor parte das suas vidas.»
Cinco mitos em torno das praxes, por RUI BEBIANO

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