quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Portugal, de 1867 a 2013

"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade."
Eça de Queiroz, in Distrito de Évora (1867)

“Mais de cem anos depois do seu desaparecimento, mantém-se actual a análise mordaz tantas vezes citada que Eça de Queirós fez acerca da política nacional e do comportamento dos políticos.
Ali elabora, com a ironia que o caracteriza, sobre as motivações que conduzem à luta política.
Vem esta referência a propósito das anunciadas candidaturas à estrutura local do partido que detém o poder absoluto no município da Figueira.
Certamente que se encontrarão garantidos os direitos de cada um dos candidatos (não opino sobre isso), mas o facto é que ambos os protagonistas desempenham funções na Câmara Municipal,
prosseguindo certamente tendências diferentes, quem sabe se até antagónicas.
Não é a primeira vez que situação equivalente ocorre na Figueira da Foz. Se para os partidos, o resultado foi indiferente, o facto é que o concelho perdeu sempre, pelas graves consequências que ocorreram na governação da Câmara.
Uma coisa é a luta política dentro dos partidos, outra será a administração municipal.
Ao presidente, na qualidade de mais alto responsável pelas más consequências que poderão advir de eventuais divisões, competirá evitar que a ciência de governar se constitua como “uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga,  pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse”, como, naquele artigo, refere o Eça.
Separem-se as águas: Ao partido o que é do partido. À governação municipal o que interessa aos munícipes.” 

Daniel Santos, in As Beiras (27.11.2013)

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