segunda-feira, 6 de junho de 2011

A um anónimo já saudoso do Sócrates

Quem me conhece sabe que sou de esquerda desde pequenino.
Nasci na Cova-Gala, Aldeia de pescadores. Sempre fui pobre e humilde, jamais grosseiro. Sou, aliás, descendente de homens simples, tisnados pelo sol, secos e robustos e mulheres de convicções fortes. A família sempre foi sagrada. A família continua a ser sagrada.
Estou habituado ao contacto com o mar. O contacto com a terra obriga o homem a olhar para o chão. O contacto com o mar obrigou-me a levantar a cabeça. É por isso que sempre gostei de andar nesta vida de cara levantada.
Na minha família, os homens quando chegavam do mar não faziam mais nada. O resto competia à mulher.
Como descendente desta gente, sempre gostei de viver com simplicidade. Os meus antepassados viveram nos palheiros, a casa ideal para os pescadores, construída sobre espeques na areia, com tábuas de pinho e um forro por dentro aplainado. Cheiravam que consolavam, quando novas, a resina, a árvore descascada e a monte.
Teriam sido felizes ou infelizes os meus antepassados?
Nunca apurei isso lá muito bem...
Sei, isso sim, que eram desprezados pelo Estado, que os roubou, cobrando-lhes uma exorbitância de dizimo. Nunca tiveram direito a nada em troca: a um hospital, a uma maternidade, a uma pequena biblioteca, a um médico, a uma estrada, a uma escola, nada.
No entanto, sem organização nem instrução, os meus antepassados eram gente tão pura, solidária, generosa e boa, que dormia com a porta aberta.
Quando chegavam a velhos e já não podiam trabalhar, como estavam abandonados pelo Estado, valiam-se uns aos outros como podiam. Na família e nos Amigos.
Os pescadores sempre foram de esquerda, generosos, imprevidentes e solidários.
É por isso que não perdoo a Sócrates ter subvertido as boas ideias que, nascidas na esquerda, se viram transformadas em operações de marketing, esvaziadas de sentido e convertidas a mero negócio.
Igualdade na educação, novas oportunidades, energias alternativas, democratização tecnológica, parcerias público-privadas, avaliação de desempenhos, mais o rol de negociatas, o trabalhar para a fotografia e para as estatísticas, o roubo descarado, aos pobres para dar aos banqueiros ricos e agiotas, o fanatismo, a intolerância, a ignorância, o modernismo para pacóvio ver (de que é exemplo  o acordo ortográfico, uma bela forma de vender dicionários…), a demagogia a roçar o delírio, a promoção e enriquecimento ilícito de gente inclassificável, a parasitagem e a chulice de um Estado que deixou a maioria à beira da bancarrota, mas com os bolsos de alguns bem recheados…
Como posso esquecer isso senhor anónimo certamente  usufrutuário do socretismo?
Sobretudo, não lhe perdoo, a si e ao seu patrono,  que  nos tenham entregue de bandeja à direita.
Ainda por cima, querendo-nos fazer crer que foi a esquerda, consequente e objectiva, que foi a culpada disso.
Passe bem!.. V. Exa. e quem o apoiar.
E o papo consigo termina aqui.

5 comentários:

  1. Fosse quem fosse que o tivesse provocado, deu para escrever uma bela prosa..
    Abraço

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  2. Alexandre Paiva06 junho, 2011 23:39

    Amigo Agostinho,são pessoas como o amigo,com a espinha direita,sem se ter curvado aos senhores deste mundo cruel e fascizante como o ex primeiro ministro e os seus esbirros nos desgovernaram,que fazem tremer aqueles abjectos da sociedade.
    Um grande abraço de solidariedade Camarada.

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  3. Às vezes uma provocação abstrusa pode dar origem a uma resposta elevada e profunda, como é o caso.
    Mas, não vale a pena perder tempo com ruins defuntos, nem com quem os defende. Mais vale defender valores como estes, http://outramargem-visor.blogspot.com/2007/04/jos-da-silva-ribeiro-um-homem-que.html, da nossa terra, como o meu amigo sabe fazer.
    No caso em presença, trata-se de un grande homem, que não era de direita nem de esquerda (conceitos redutores que, por vezes, não dizem nada)mas sim um grande democrata que foi muitas vezes preso pela polícia política. Tantas vezes que até tinha sempre no seu quarto, uma mala pronta para quamdo lhe batiam à porta os esbirros do antigo regime. A sua também já falecida mãe,dizia-lhe, então: "olha, são aqueles senhores do costume". E lá ia aquele grande homem do teatro de Tavarede, "escoltado" pelos esbirros da Pide.
    Às vezes não há nada melhor do que deixar os mortos, enterrar os seus "mortos", mormente aqueles que não deixam saudades a ninguém.
    Abraço.

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  4. Ao Alexandre Paiva e ao Fadigas da Silva:
    Muito obrigado.
    Abraço retribuído

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