segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Inácio Pereira: a "estória" de um Homem simples

Inácio Pereira fotografado por Olímpio Fernandes
 "Já lá vão 31 anos que António Agostinho, jornalista do Barca Nova, escreveu sobre o seu passado desportivo."
Quem  relembra o facto,  neste post, o que me surpreendeu, foi Olímpio Fernandes.
Este recuo no tempo, trouxe-me à memória uma entrevista que um então jovem aspirante a jornalista de 20 e poucos anos, fez para  o  seu primeiro jornal.
Inácio Pereira, na altura, meados de Maio de 1979, tinha  43 de idade.
Por curiosidade,  para quem quiser ler, vou transcrever abaixo a entrevista feita por mim,  há 31 anos atrás,  a Inácio Pereira.


"Se tivesse a 4ª. classe - diz-se na Cova e Gala - chegava a Presidente da República!.." - era o título.
E mais adiante, em sub-título:
"Inácio Pereira, 43 anos de idade, recorda a sua carreira de desportista exemplar e lembra, com saudade, a boa gente de Quiaios..."


O texto da entrevista:
"O Núcleo de Atletismo do Clube Marítimo da Gala tem nas suas fileiras atletas dos 6 aos 70 anos.
Entre todos existe um  - Inácio Pereira - que apesar dos seus 43 anos de idade constitui um exemplo, em entusiasmo, na comparência aos treinos, no pundonor e amor à camisola.
Nas provas em que participa - classe de veteranos - consegue classificar-se, quase sempre, nos chamados lugares de honra.
Inácio Pereira fotografado por Pedro Cruz 
No entanto, não é a procura de classificações mais ou menos honrosas que o faz correr: «corro porque gosto. Sinto-me bem a praticar o atletismo. Nunca ganhei nada com o desporto».
Iniciou-se na prática desportiva com 18 anos, precisamente no Marítimo da Gala, «no tempo em que nem sequer sabia a cor do leite».
«Dinheiro para isso não havia, comia-se um bocadito de pão a seco e viva o velho»...
De seguida, deu-nos conta que em virtude das dificuldades com que a sua família se  debatia nunca foi à escola, começando logo a trabalhar desde muito pequeno: «se queria comer tinha de ganhá-lo».
Apesar de não saber ler nem escrever, nunca se sentiu desfavorecido a correr.
«O que corre são as pernas. É certo que também é necessário um bocadito de inteligência para saber dosear a corrida, mas o fundamental são as pernas».
Das duas únicas vezes que lhe foi possível ir aos distritais obteve dois magníficos 4ºs. lugares.
«Fui atleta do Ginásio Figueirense. Por haver desorganização neste Clube e como gostava muito de Atletismo, fui correr para o Quiaios Clube. Aqui as coisas já estavam melhor. Eu ia da Cova para Quiaios de bicicleta, muitas vezes com a barriga vazia. O que me valeu foi Quiaios ser uma Terra de boa gente, que olhava à minha situação. Quando ia aos treinos  davam-me de comer. Aproveito esta oportunidade para agradecer ao meu treinador desse tempo, o sr. Rafael de Sousa, o muito que fez por mim. Não esqueço essa gente. Só abandonei o Quiaios porque o Clube acabou com o atletismo».
Inácio Pereira também colaborou muitos anos com o GDCG
Nas pequenas aldeias, para se poder praticar desporto, é preciso ultrapassar um rosário de dificuldades: são os locais apropriados que não existem; meios de transporte, a deficiente alimentação dos atletas. Em resumo, as dificuldades são tantas que por vezes até o calçado falta...
Inácio Pereira, ele próprio com dificuldades enormes, não desanima: «enquanto as pernas puderem, continuo a correr».
Homem inteligente e perspicaz (na Cova e Gala, onde é uma figura extremamente popular, por brincadeira até dizem que se tivesse a 4ª. classe o Inácio chegava a Presidente da República...), tem sempre uma resposta pronta e incisiva, o que lhe permite desembaraçar-se em qualquer situação, mesmo a mais difícil, de maneira airosa.
Desportista que se houvesse tido as possibilidades que merecia poderia ter sido alguém no atletismo , reflecte ao fim e cabo as dificuldades de que continua a enfermar o nosso desporto, fruto, aliás, da sociedade em que continuamos a viver".
A.A.

31 anos tem este trabalho jornalístico. Lembrá-lo hoje aqui, creio constituir uma ajuda para entender a Cova e Gala e o Portugal do final da época de 70 do século passado e perceber também o País que somos hoje, em 2011. 

2 comentários:

  1. São estes cidadãos que escrevem a história do associativismo das nossas terras.Devemos pois
    fazer a sua valorização enquanto homens e desportistas, O meu imaginário está repleto destas memórias por Montemor, de gentes que devemos senti-las como nosas, como é o caso do Sr.Inácio Pereira.Muito grato pela peça, havemos de cumprir as nossas tarefas que se justificam.

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  2. havia de haver mais Homens como este no desporto ai na COVA GALA GRANDE INACIO

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