sábado, 7 de abril de 2007
Recordar a irreverência do Zé Martins...
Já aqui falámos do Zé...
Hoje, vamos recordar um episódio que dá conta do seu talento irreverente e espontâneo.
Corria o ano de 1982, aí pelo mês de Fevereiro. O país político era abalado por uma afirmação do então deputado do CDS, João Morgado. No decorrer de um debate, o referido deputado fez a seguinte afirmação, que deixou de boca aberta o Povo da Nação: “O ACTO SEXUAL É PARA FAZER FILHOS”.
Se a tirada do deputado Morgado ficou nos anais do parlamento, não menos célebre ficou a resposta, em poema, da notável poetisa e, então, deputada do PSD, Natália Correia. Rezava, assim, a resposta em poema que fez rir as bancadas parlamentares e boa parte do país:
“Já que o coito
- diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.”
O Zé Martins, sempre atento, oportuno, contundente, irreverente e mordaz, na edição de 12 de Março desse mesmo ano de 1982, glosou o tema, como só ele seria capaz de o fazer. Esse número do Barca Nova deu-nos cá um gozo...Lembro-me, perfeitamente, do Zé com o seu jeito, peculiar e exagerado - único, para contar estórias oralmente, adornando-as e enriquecendo-as com os seus excessos de pormenores deliciosos!.. Escrevia muito bem o Zé, mas ouvi-lo era um privilégio Leiam esta inspiração do Zé.:
“Saber se o sr. João Morgado
Deputado da Nação
É ou não homem capado
Para além de deputado
Tornou-se agora a questão.
Mulher sagaz e de veia
Perita na dedução
A deputada Correia
Vê a coisa muito feia
Pró deputado João.
Cá por nós, acreditamos
Que estas coisas embaraçam.
Mas também não duvidamos
Que posição não tomamos
Sem que outras provas se façam.
O deputado João
Suspeito de ser capado
A nosso ver deve então
Exibir o galardão
Para ser examinado.
E exibi-lo no parlamento
Perante os pares que lá estão.
Na tribuna ou no assento
(Consoante o regimento
Que contemple essa função)
Vai ser um acontecimento
Ver o João em São Bento
C’o argumento na mão.
- Vamos a isso, João?”
Na altura, “cozinhar” o Barca Nova todas as semanas, nas tardes de sábado e nas noites de segunda, terça e quarta, para à quinta, dobrar, endereçar e pôr no correio, não era tarefa mole, pois todos tínhamos os nossos trabalhos...
Rever textos, fazer as notícias e as reportagens, paginar, ver provas ( e quão exigente era o Zé na caça à gralha...), tudo isto era feito com alegria e constituía uma descoberta sensacional e uma bela lição de jornalismo – e de vida – dada pelo Zé a três então inexperientes aprendizes de jornalismo: eu, o Pedro Biscaia e o Alexandre Campos.
Decorridos 25 anos, recordar essas reuniões fascinantes, a que por vezes se juntava o Mário Neto e o Velho Joaquim Namorado, agora que o Zé já cá não está, pois há sete anos, de forma inesperada resolveu ir viajar, é um prazer tão grande como reler os seus escritos.
Zé: até qualquer dia e um grande abraço.
4 comentários:
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Recordar o"Chefe" ou o "General", como carinhosamente o tratávamos, é um acto de dor, a de ter perdido um amigo.
ResponderEliminarSer intransigente e implacável, ao mesmo tempo que nos dava a entender que tínhamos ali o irmão mais velho, são duas facetas, aparentemente antagónicas, que recordamos do Zé. Recordo ainda a abreviatura de Xana, que ele inventou: passei a ser o Xaninho.
Da sua irreverência e repentismo, aí vai mais um exemplo:
No trajecto de casa para a tipografia ele passava pelo Passeio Infante D. Henrique. Então chegou à tipografia, cerca das 10 da noite, estava eu a ultimar a edição e faltava-me um espaço. Esperava por alguma informação ou telefonema, uma notícia de última hora. O Zé diz-me para não me preocupar, que já tratava disso. Estavamos em campanha eleitoral, foi o que o inspirou: passados uns escassos minutos estava a edição pronta, Na última página, sob o título "A Fechar", escreveu o Zé:
"Primeiro com ar grave, depois com ar alegre e desportivo, o dr. Mário Soares anda por aí colado às paredes, em tábuas, em árvores, nos piços,em tudo afinal onde a cola acabou por aderir. Umas vezes por cima, outras por baixo, também aparece ora o Mota Pinto ora o Lucas Pires, aquele em pose de Cardeal Richelieu, este assim a modos de quem está a recomendar o uso da pasta Colgate. Só na Farmácia Jardim não enganam ninguém:estão todos colados uns aos outros.
Boa Xaninho, ri-me a bom rir com este texto que já não me recordava!
ResponderEliminarQue bela experiência de "fazer coisas" pelo simples prazer de o fazer! Que horas de aprendizagem nós tivémos, ainda imberbes! Que vontade de revisitar esses dias de utopia, com a ilusão de que estávamos ali mesmo a construir, na escrita, futuros colectivos! Que abraço eterno e firme nos sobrou até hoje!
Um abração Pedro. Quando é que cá vens?
ResponderEliminarEstamos desde o Verão à tua espera.
Eis ALGUÉM que me foi dado conhecer por interpostas pessoas. Facto, que indicia, que não querendo, era de facto ALGUÉM, que vivia para os outros e com os outros. Coisa rara. E um Abraço enviado aqui,das "catacumbas" coimbrãs :-», para o Xaninho, responsável pela memória que desenhei, da importância do "Zé" Martins como PESSOA e do "Barca Nova" no jornalismo figueirense.
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