A apresentar mensagens correspondentes à consulta a questão do momento ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta a questão do momento ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

domingo, 9 de novembro de 2025

... a exploração da doença, esse enorme negócio...

Via UM JEITO MANSO

"Ouço e leio jornalistas a falarem em médicos tarefeiros contratados por empresas e vejo que ainda não perceberam o esquema.

Os médicos, para fugirem aos impostos e, ao mesmo tempo, para conseguirem fazer os horários que lhes apetecer e, cereja em cima do bolo, para não terem que se sujeitar a protocolos, 'serviços mínimos' ou ao que for, formam as suas próprias empresas. São empresas unipessoais, ou quase, e podem estar em nome deles ou das mulheres ou deles e de amigos. Não sei se há estatísticas mas diria que a maioria são empresas unipessoais, empresas com nomes criativos que nada têm a ver com os seus nomes (por exemplo, 'Sol Radiante', 'Plano Azul', 'Bem Sentir', etc.). 

De forma automática, é muito difícil saber qual o médico que está por detrás da dita empresa pois, quando os médicos prestam serviço aos hospitais, ou clínicas, ou lares, 'escondem-se' atrás dos nomes das ditas empresas. Os hospitais, clínicas, lares. etc, pagam a essas empresas, que aparecem como simples fornecedores. Estatisticamente, de forma directa, não se consegue saber de que médicos se está a falar pois não aparecem enquanto tal. O hospital ou a clínica contrata a 'empresa', não o médico.

Na contabilidade e nos sistemas de informação dos hospitais (ou clínicas, ou o que for), ao passo que os médicos do quadro podem ser controlados facilmente -- quanto ganham, quantas horas trabalham, quantas horas extraordinárias fazem, em que escala estão, etc. -- já o mesmo não acontece com os que médicos que 'faz de conta' que são tarefeiros, estando 'escondidos' atrás do nome da empresa. As ditas 'empresas' (que, na prática são os próprios médicos) cobram, e cobram bem (e com esta ministra, então, upa, upa, em especial ao fim de semana, em especial nas urgências) consoante as horas que os médicos fazem. 

Muitas vezes, os médicos trabalham para o SNS e depois, como tarefeiros, escondidos atrás do nome da sua própria empresa, vão trabalhar para o Privado. Ou vice-versa. Até em simultâneo... ou seja, para o SNS enquanto médicos do SNS e depois, enquanto tarefeiros, a fazer mais horas, por exemplo ao fim de semana. Ou para o Privado enquanto assalariados e, em simultâneo, enquanto tarefeiros.

Qual a vantagem para estes médicos (e gostava de saber quantos médicos não recorrem a este estratagema...)?

É simples. Enquanto assalariados, tudo o que ganham é sujeito a IRS (e têm que se sujeitar às escalas e etc). Enquanto tarefeiros, quem recebe o dinheiro são as suas empresas. Ou seja, não pagam IRS sobre essas verbas chorudas. E, por outro lado, nessa empresa metem toda a espécie de despesas até porque a sede é, quase sempre, a própria casa. E a casa tem que ser limpa, tem despesas de água, luz, comunicações, a empresa tem um carro que é preciso pagar, bem como o combustível, reparações, portagens, etc. E, se calhar, a própria casa tem que ser paga. E há despesas de representação e deslocações e estadias e, portanto, restaurantes, hotéis e viagens 'vai tudo' para a empresa. Claro que há que pagar ao gerente mas pode ser um ordenado baixinho, neutro em termos de IRS. Em contrapartida, a empresa, afogada em custos fica isenta de IRC ou, em casos raros, pagará uma bagatela. Claro que, na prática, o dinheiro vai todo para os médicos. O resto são liberalidades e habilidades contabilísticas e fiscais.

Estes médicos, que são muitos, se calhar a maioria dos médicos (pelo menos nos locais em que há mais procura - Grande Lisboa, Algarve, etc), tal como o meu marido referiu no outro dia, conseguem ter uma vida tão regalada que, com as verbas que recebem enquanto tarefeiros (que, face às habilidades acima referidas, são líquidas ou quase), já se dão ao luxo de escolher os dias em que já não querem trabalhar. Há muitos que já fazem semana de 4 dias ou 3 dias e meio, compondo o ordenado com um ou dois fins de semana enquanto tarefeiros.

E com o que esta ministra lhes paga, claro que os médicos já não querem outra coisa. Trabalham quando querem e ganham o que querem. Nessa qualidade não há vínculo laboral, não podem ser sujeitos a sanções, a processos disciplinares nem a serviços mínimos. Se os chatearem vão oferecer os seus serviços, através das ditas empresas, a outro lado.

Como se pode acabar com esta pouca vergonha?

Não é fácil. Só mesmo com um grande entendimento entre muita gente, entre partidos e entre entidades contratantes, SNS, Privados ou Sociais.

Para isso, deveria haver uma regra 'simples', uma regra que deveria ter forma de lei. Quem precisar de médicos, deve contratar médicos -- não 'empresas' nem free lancers. Só isto, mudaria tudo.

Se for preciso criar um regime laboral específico para eles, que se crie. Podem ser vínculos temporários, pode o horário ser mais 'liberal' -- mas a regra deve ser esta. Médicos devem ser contratados como médicos. Idem para enfermeiros, claro. Quando se conseguir isto, acaba a 'bandalheira' que é hoje esta brincadeira dos tarefeiros (leia-se, habilidosos fiscais).

Enquanto não se chegar a este ponto, pois este entendimento pode demorar, deveria ser obrigatório que as empresas de prestação de serviços médicos ou de enfermagem declarem o nome e o NIF dos médicos que, enquanto tarefeiros, trabalharão num qualquer hospital, clínica, lar, etc. E os hospitais, clínicas, lares, deveriam ser obrigadas a comunicar essa informação à AT.

E a AT, por seu lado, deveria, em paralelo, desencadear uma acção contra estas empresas unipessoais ou quase (usadas por profissionais de saúde para fugirem ao fisco, mas também por advogados, consultores, senhorios e sabe-se lá mais o quê, se calhar até jornalistas -- que, se calhar, por isso até fazem de conta que não percebem de que se fala quando se fala de tarefeiros...) que são apenas um ardil legal para pagar menos impostos.

E depois há a questão fiscal de base. Os médicos, se declarassem para efeito de IRS, tudo o que ganham ficariam todos no último escalão, ou seja, cerca de 50%. A somar a isso, a TSU. Ou seja, na prática, recebem menos de metade do que ganham. Concorde-se que não é motivador. É, isso sim, um esbulho.

Também já o referi. Sei de médicos reformados, a receberem a reforma, e que ainda trabalham. Fazem bem. Gostam do que fazem e com a falta de médicos, é útil que trabalhem. Mas mais do que dois dias por semana, dizem eles que é para os impostos. Por isso, não trabalham mais que dois dias por semana.

E é também este exagero de carga fiscal que faz com que muitos jovens que foram estudar lá para fora depois não voltem (pois rapidamente atingem os 35 anos e não estão para receber trocos face ao que ganham líquido lá fora).

Não sei quando é que vamos ter um Governo verdadeiramente reformista, que avance sem medo para uma reforma fiscal que acabe com tanto escalão e que seja justa e decente no dinheiro que retira aos contribuintes. Se houvesse justiça e razoabilidade não haveria tanta gente (tanta, tanta!) a recorrer a habilidades para fugir ao fisco.

Enquanto não se encararem os assuntos de frente, enquanto não se chamarem os bois pelos nomes e enquanto não se resolverem os assuntos pela raiz não sairemos da cepa torta, uns tontos às voltas dos problemas, incapazes de resolver o que quer que seja."

Nota de rodapé

"A saúde, meus amigos, é cada vez mais um bom negócio.
Senão olhem. O governo fecha. Os privados abrem.
Porque será?
Entretanto, fica a memória: da democracia nasceu o Serviço Nacional de Saúde.
Antes do 25 de Abril a saúde estava a cargo das famílias, das instituições privadas ou da previdência. Não havia serviço de saúde universal, hospitais e médicos espalhados pelo país ou acesso assegurado a todos os portugueses.

O Serviço Nacional de Saúde foi implantado em Portugal em Setembro de 1979 (com os votos contra do PSD e CDS) e só a partir desse momento os portugueses passaram a dispor de um sistema que assegura uma cobertura de saúde universal a cargo do Estado."

Via António Agostinho

sábado, 6 de setembro de 2025

O «acidente» do Elevador da Glória é, de facto, o «acidente» da Lisboa neoliberal

Pedro Levi Bismarck

"Seria preciso encontrar um termo apropriado para o momento exacto em que um sistema deixa de ser capaz de dissimular e ocultar as suas próprias contradições. O «acidente» não é apenas o «milagre invertido», como dizia Paul Virilio, que expõe as fragilidades da tecnologia e do desenvolvimento: ele é o momento que expõe, na forma mais trágica possível, as contradições de todo um sistema político-económico. Está ainda, certamente, por fazer toda uma história do «acidente».

Deste ponto de vista, o «acidente» com o elevador da Glória não tem apenas um sentido simbólico, não é simplesmente uma metáfora, mas tem uma materialidade própria. É uma espécie de ponto de condensação onde se reúnem de forma catastrófica as consequências e os resultados das políticas económicas neoliberais que uma cidade como Lisboa tem seguido nos últimos anos: (1) externalização dos serviços de manutenção, isto é, privatização da manutenção da Carris e dos serviços públicos, isto é, precarização das condições de trabalho e obliteração das cadeias de transmissão de saber técnico (como realçava Paula Godinho num texto publicado no Facebook); (2) corte de financiamento da Carris (no ano de 2024) e a aparente transferência de uma considerável verba do orçamento desta empresa para apoiar esse megaevento que é a Web Summit e, portanto, a degradação dos serviços públicos essenciais, da infra-estrutura básica da cidade, à custa do nacional-deslumbramento dos grandes eventos unicórnicos e da grande epopeia do marketing das cidades-marca e das best destinations.

A idealidade absurda do neoliberalismo financeiro que Moedas representa é a cidade-Potemkin: puro fachadismo, pura encenação de si mesma. Cidade sem conteúdo, cidade reduzida a forma pura da sua rentabilidade económica. E, por isso, a política da privatização (neoliberal) é, antes de mais, a política de externalização sine die dos custos políticos e sociais (e, por isso, pode Moedas não se demitir, ao contrário do que fez Jorge Coelho aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios).

O «acidente» do Elevador da Glória é, de facto, o «acidente» da Lisboa neoliberal: mas este deve ser visto, igualmente, como sintoma de burnout, sintoma de uma cidade em burnout, porque há, paralelamente à falta de manutenção, a questão da intensidade e da violência do uso de uma infra-estrutura que deixou de conseguir responder ao uso massivo que dela é exigido: justamente, o uso massivo de uma actividade turística que hoje tomou conta do centro da cidade de Lisboa, que devora e coloniza inteiramente a cidade. E, portanto, o «acidente» dá-se no centro, numa das zonas fundamentais de confluência e concentração do turismo de massas e atinge, justamente, um dos «ícones», uma das «representações» fundamentais da Lisboa-turística e da sua ideologia.

O «acidente» revela, assim, de forma tão abrupta, a materialidade social e económica que suporta a frágil encenação fachadista da Lisboa requalificada, da Lisboa cosmopolita, da Lisboa alegre, para expor a condição de uma cidade (como tantas outras) reduzida à pura condição de Luna Park, constituída por infra-estruturas degradadas e sobrecarregadas, uma cidade explorada intensivamente até ao ponto do seu colapso por uma especulação imobiliária animada pela utopia do crescimento sem fim do turismo e da reprodução mágica do capital financeiro. Neste sentido, devemos ver a impecável cor amarela dos elevadores como a superfície-ideológica que dissimula a degradação absoluta dos componentes que constituem a infra-estrutura oculta do funicular. A importância catastrófica do «acidente» na política moderna é justamente essa: o «acidente» é o momento em que o reprimido (a infra-estrutura) aparece de forma violenta na linguagem dissimulada da ideologia política (a superestrutura).

O «acidente» do Elevador da Glória é o «acidente» do neoliberalismo e das suas instituições: externalização, privatização, rentabilidade absoluta de tudo e todos até ao ponto iminente do colapso. Dizia alguém que a arte da política é a mentira. Ora, o «acidente» é o ponto trágico em que a verdade aparece enquanto tal. Todas as políticas têm custos e o «acidente» é, justamente, a forma política em que o custo aparece. Para a lógica política da contemporaneidade a fórmula só pode ser uma: quanto maior o «acidente», maior a mentira."

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Cleo Diára: “Sou uma imigrante em Portugal no momento em que os imigrantes não são bem-vindos. Então eu quero que que fique bem assente que eu sou uma imigrante.”

"Quem ainda não conhecia o nome, é melhor tomar nota: Cleo Diára é uma atriz que vai dar que falar. Já se tinha destacado em flmes como Diamantino, de Gabriel Abrantes, ou O Vento Assobiando nas Gruas, de Jeanne Waltz. 

Agora, recebe o prémio de Melhor Atriz na secção Un Certain Regard, com o flme O Riso e a Faca, de Pedro Pinho. Na cerimónia de entrega dos prémios, a atriz luso-cabo-verdiana declarou: “Sou uma imigrante em Portugal no momento em que os imigrantes não são bem-vindos. Então eu quero que que fique bem assente que eu sou uma imigrante.” 

Nascida na Cidade da Praia, em 1987, Cleo Diára mudou-se para Portugal com apenas 10 anos. Tem-se afirmado no panorama artístico português, sendo uma das fundadoras do coletivo Aurora Negra, juntamente com Isabél Zuaa e Nádia Yracema, que visa dar voz a mulheres negras nas artes performativas."

Uma notícia destas obriga a reflectir sobre a socidade que estamos a construir, 50 anos depois da conquista da Liberdade, no País de Abril.

50 anos depois, no País de Abril vivemos no meio disto.

Culto da tradição – como se toda a verdade já estivesse revelada há muito tempo e o que precisamos é ser fiéis a ela. O tradicionalismo é uma espécie de cartilha na disputa de hegemonia fascista sobre corações e mentes. O pensamento do principal guru dos “donos do poder”, a pregação das igrejas pentecostais e as falas – quando dizem algo – são impregnados de uma veneração da verdade já revelada em escritos sagrados e de valores espirituais mais tradicionais do cristianismo. “Deus, pátria, família e propriedade”, com a força que estão de volta como pregação, não deixam dúvida. Fascismo e fundamentalismo sempre vêm juntos.

Repulsa ao modernismo – que leva a considerar as conquistas humanas em termos de direitos e de emancipação social como perversidades da ordem natural. Nega-se, em consequência, a racionalidade e, com ela, toda a ciência e a tecnologia. Não falta gente com tal forma de pensar no governo e seus seguidores. Para eles, direitos iguais são um absurdo. Mudança climática é uma “invenção de comunistas”. E por aí vai.

Culto da ação pela ação – fazer e agir, acima de tudo. Como diz Eco, para fascistas “pensar é uma forma de castração”. Daí a atitude de suspeita à cultura, pois é vista como algo crítico. Em consequência, todo mundo intelectual é suspeito. Ainda Eco, “O maior empenho dos intelectuais fascistas oficiais consistia em acusar a cultura moderna e a intelligentsia liberal de ter abandonado os valores tradicionais”.

Não aceitação do pensamento crítico – pensar criticamente é fazer distinções e isto é sinal de modernidade, pois o desacordo é base do avanço do conhecimento científico. O fascismo eterno considera a divergência como traição. Deve-se aceitar a verdade da ordem estabelecida. Daí, “escola sem partido”, sem iniciação ao pensamento crítico e a liberdade de expressão e ação.

O racismo na essência – segundo Eco, com medo da diferença, o fascismo a explora e potencializa em nome da busca e da imposição do consenso. Os e as diferentes não são bem vindos. Por isso, o fascismo eterno é essencialmente racista e xenofóbico. Daí a identificar os diferentes como criminosos a linha é reta.

O apelo aos precarizados e frustrados – todos os fascismos históricos fizeram apelo aos grupos sociais que sofrem frustração e se sentem desleixados pela política. As mudanças no mundo do trabalho, promovidas pela globalização econômica e financeira, são terreno fértil para o fascismo.

O nacionalismo como identidade social – nação como lugar de origem, com os seus símbolos. Os e as que não se identificam com isso são inimigos da nação. Portanto, devem ser excluídos. Podem ser os nascidos fora da nação, como os imigrantes, ou por se articularem com forças externas – o tal “comunismo internacional” – ou, ainda, por não se enquadrarem no padrão “normal” de nacionalidade. O nacionalismo vulgar é o cimento agregador de qualquer fascismo.

A vida como guerra permanente – no fascismo, a gente não luta pela vida, liberdade, bem viver, mas vive para lutar. A violência é aceita como regra e a busca de paz uma balela. Vencem os mais fortes, armados. Há um culto pela morte na luta.

O heroísmo como norma – o herói, um ser excepcional, sem medo da morte, está em todas as mitologias. 

O machismo como espécie de virtude – em sendo difícil a guerra permanente e a demonstração de heroísmo, o fascismo potencializa as relações de poder na questão sexual, segundo Umberto Eco. Aqui também não faltam manifestações de patriarcalismo e machismo, com intolerância com o que é considerado divergente da norma em questões sexuais. Não há lugar para a liberdade de opção sexual e de gênero.

O líder apresentado como intérprete único da vontade comum – o povo é o seu povo, o seu entendimento do que seja o povo e sua vontade comum. Como diz Eco, estamos diante de um populismo de ficção.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Pressão na Figueira da Foz. 24 trabalhadores da Navigator empurrados para a saída

Foto: daqui
Texto: daqui
"A União dos Sindicatos de Setúbal da CGTP-IN acusa a Navigator de exercer pressão para a saída de 54 trabalhadores, dos quais 39 já assinaram a rescisão por mútuo acordo.
Em declarações à Lusa, Luís Leitão, dirigente sindical, defendeu que os trabalhadores “foram pressionados a sair”, tendo a empresa dado poucos dias para aceitarem os termos propostos pela gestão da produtora de pasta e papel.
Além disso, considera que “a questão que está em cima da mesa, e está subjacente, é o facto de a maioria deles reivindicar, isto é, não se calar e pedirem aumentos salariais, por exemplo. E quem fez greve teve avaliação negativa”, denunciou.
“Do ponto de vista democrático isto não é aceitável”, acrescentou.
No entendimento do sindicato, estão “perante uma administração do tempo da outra Sra. em que a democracia não existia e quem falava era penalizado”.
“A União dos Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN não concorda com este tipo de intimidação e rejeita tais atitudes, afirmando desde já toda a nossa solidariedade para com estes trabalhadores, e perante uma empresa que é dada como exemplo dos lucros, entendemos que devia ser também uma empresa que fosse dada como exemplo do exercício democrático onde o direito à reunião e reivindicação fosse exercido por todos sem ser pressionado”, reforçou.
Luís Leitão detalhou ainda que do total dos trabalhadores em causa, 30 são funcionários da fábrica da Navigator em Setúbal e os restantes 24 da unidade na Figueira da Foz. E, até ao momento, 39 já terão assinado os acordos para a rescisão do contrato.
A Lusa contactou a Navigator, estando ainda a aguardar resposta.
A Navigator fechou 2024 com lucros de 287 milhões de euros, um aumento de 4% face a 2023."

domingo, 6 de abril de 2025

E se for o fim de uma era?

Daniel Oliveira

«Além da Solverde, as relações entre Montenegro, Câmara de Espinho e empresas com que a autarquia e ele próprio foram fazendo negócios continuarão a aparecer, a conta-gotas, na imprensa. Talvez a casa de Montenegro, tema que a comunicação social tinha fechado com a simples exibição de um dossier, seja o link mais fácil. Como a ética republicana não começa e acaba na lei, não preciso de saber se cometeu ilegalidades. Disso trata a justiça. Com Sócrates, bastou-me que dissesse que era sustentado por um amigo com interesses no Estado para saber que não podia ter ocupado o cargo que ocupou. Com Montenegro, basta-me saber que recebia uma avença de casinos enquanto era primeiro-ministro e tropeçar nas sucessivas meias-verdades, omissões e coincidências entre os seus negócios privados, relações partidárias e funções técnicas para confirmar, a cada notícia que sai, que elegemos um videirinho.

Não fomos para eleições porque o Orçamento do Estado tenha sido chumbado, uma moção de censura tenha sido aprovada ou o programa do Governo não pudesse ser aplicado. As condições de governabilidade até eram excessivas para uma coligação com 29% que não mostrou interesse em construir entendimentos parlamentares com quem quer que fosse. Também é cedo para fazer um balanço. Um ano de anúncios diz-nos pouco, apesar de ser óbvio que o que corre bem já corria bem e o que corre mal piorou mais um pouco. Vamos a votos porque Montenegro apresentou uma moção de confiança que sabia chumbada, recorrendo ao sufrágio popular para atestar a sua própria honestidade. Mesmo que não deva ser essa a estratégia de Pedro Nuno Santos, porque nenhum candidato a primeiro-ministro se credibiliza a falar dos pecadilhos do opositor, é impossível que esta campanha não seja sobre a razão pela qual vamos a votos: as condições éticas para Montenegro ocupar o cargo que ocupa.

Ainda só começámos a puxar o fio à meada e já se percebeu que Montenegro será um poço de casos nos próximos anos. Não há vitória eleitoral que apague a sua biografia que, por responsabilidade da comunicação social e graças a uma impressionante e eficaz gestão de silêncios, ficou por escrutinar desde que chegou a líder do PSD. E não foi por falta de sinais, com uma carreira feita de ajustes diretos com autarquias do PSD. Apesar de ser interessante assinalar a diferença de comportamento da PGR perante a investigação que envolvia Costa e a que envolve Montenegro, as eleições não sufragam o cumprimento da lei. Só tribunais o podem fazer. Sufragam, a pedido do próprio e já com bastos indícios, a avaliação ética que os eleitores fazem do primeiro-ministro. Isso implica uma campanha feia? Claro que sim. Foi escolha de quem achou, muito provavelmente com razão, que o mau momento reputacional seria compensado pelo bom momento económico e orçamental.

Acontece que a questão não é meramente ética. Com um ano de balanço e programas praticamente iguais, imagino que restarão dois temas nesta campanha: os casos de Montenegro e a governabilidade. E parece haver a tentação de separar os dois. Só que eles estão ligados. Primeiro, porque se a revelação de factos comprometedores sobre Montenegro resultar num reforço eleitoral do PSD, o “à vontade” que sentimos neste ano passará para um perigoso “à vontadinha” e a atração para o abismo será rapidíssima. Depois, porque nada disto acabará a 18 de maio. As histórias continuarão lá todas. Assim como as ligações ainda não exploradas e as investigações que agora se fazem a correr, para corresponder ao apelo de plebiscito à ética de Montenegro. E a Comissão Parlamentar de Inquérito até pode vir a ter um âmbito ainda mais alargado. Montenegro será um primeiro-ministro vulnerável. Uma vulnerabilidade ditada por muitas suspeitas e algumas certezas.

Como escrevi na semana passada, a extrema-direita não cresce pela revolta ética. Os eleitores do Chega não são, como vemos pelos seus deputados, os mais exigentes entre nós. A extrema-direita cresce com a degenerescência da democracia. Ela não representa a indignação. Representa o cinismo e a acomodação. A reeleição de um primeiro-ministro tão vulnerável, e até o seu reforço como prémio de uma estratégia que viu a sua própria fragilidade ética como uma oportunidade eleitoral, corresponderão à degradação do poder político. Estas eleições podem parecer um intervalo entre ciclos curtos ou o início de um ciclo longo. Mas, tendo em conta as forças antidemocráticas prontas a abocanhar um poder apodrecido, a reeleição e reforço de um primeiro-ministro com este perfil ético pode corresponder ao derradeiro episódio de uma era.»

domingo, 2 de março de 2025

Carnaval...

Até na Figueira, a água molha.
Por isso, quem anda à chuva, molha-se.
Naturalmente.
Numa altura em que na Figueira o assunto do momento é o carnaval, o mínimo que se devia exigir era que a natureza aquosa da água fosse uma unanimidade local.
Até na Figueira, o frio esfria.
O facto de temperaturas baixas incomodarem os seres humanos, na altura do desfile do carnaval, também faz todo o sentido.
Como a nossa temperatura corporal é cerca de 37 graus, sentimo-nos mais confortáveis em temperaturas amenas. 
Para mais num descampado frente ao mar!
No entanto, sempre que os termómetros registam temperaturas ligeiramente abaixo dos 10 graus, o espanto e o choque surgem como se tivéssemos sido transportados, numa questão de segundos, do calor do deserto do Saara para o frio das tundras da Sibéria.
Até na Figueira, o desfile do carnaval, também costuma acontecer em demoníaca trindade de chuva, vento e frio.
O que acaba por transformar os figueirenses em criaturas ainda mais soturnas e traumatizadas. Por isso, sempre que podem, aproximam-se das  lareiras e aquecedores com a paranóia de gazelas perseguidas. Cobrem-se de mantas e cobertores. Ficam carentes, irritadiços, frágeis e sonolentos. 
                                                                                    
Na Figueira, podemos discordar sobre quase tudo.
Mas, está mais do que na altura de chegarmos a um consenso sobre os fenómenos meteorológicos.
Todos sabemos o essencial sobre a matéria.
No Verão está calor e não chove; na Primavera está ameno e, às vezes, chove; no Outono está ameno e, frequentemente, chove; e no Inverno está frio e chove – muitas e muitas vezes.
Eu sei que existe muita incerteza na previsão do estado do tempo.
A meteorologia é uma ciência traiçoeira.
Ela partilha isso com os piratas, os políticos e as ciências económicas.
Mas, no Inverno, o natural  é estar  frio e chover – muitas e muitas vezes…

Eu sei que sou um eterno insatisfeito...
Resta-me, aguentar e cara alegre. O que não tem remédio, remediado está!
Há muitos anos que percebi que rir é o melhor remédio. 
Mas, se porventura,  os prezados leitores notarem que vos estou a contagiar com esta doença, aconselho-vos a consultar um especialista.
Oxalá que a próxima terça-feira pregue uma partida de carnaval ao Inverno...

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Cegueira partidária, faquistas de esquina e ignorantes da gaia ciência [1]

Carlos Matos Gomes, in Medium

A atual discussão sobre migrações é tão velha como o mundo e diz respeito à questão da formação da identidade dos povos. A afirmação de há dias de Pedro Nuno Santos, secretário geral do Partido Socialista, de que os imigrantes têm de “perceber que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada”, a propósito da discussão sobre a regulação da imigração, levantou uma nuvem de comentários políticos que revela um de três atributos, ou os três em conjunto ou conjugados: falta de escrúpulos (os fins justificam os meios), ignorância e inconsciência.

O que Pedro Nuno Santos disse faz parte, ou devia fazer, do conhecimento elementar cujos aspetos fundamentais Anthony D. Smith, um sociólogo britânico, resumiu no livro A Identidade Nacional (1997): um território histórico como terra de origem, mitos e memórias históricas comuns, que promovem um sentimento de pertença a uma comunidade de semelhantes.

O que a frase de Pedro Nuno Santos quer dizer em primeiro lugar é que existem diferenças culturais que se traduzem em modos distintos de entender o mundo — o que originou diferentes religiões, diferentes interpretações do universo, diferentes línguas, diferentes interditos entre tantos fatores. A consciência de que existe essa diferença originou a velha frase: em Roma sê romano — que parece ser do desconhecimento dos críticos de Nuno Santos, assim como a locução latina cujus regio, ejus religio (De quem é a região, dele se siga a religião), frases que mais não traduzem que a noção de estrangeiro comum a todas as civilizações e que entre os povos do Leste de Angola e da Zâmbia está expressa no ditado “o visitante não escolhe a melhor beringela, aceita a que lhe for distribuída”.

A cegueira partidária transformou a questão de identidade que está na base de conceitos de povo, de cultura, de nação, e até de Estado-Nação, uma questão presente em todos os conflitos da História, num caso de guerra por votos, de um lado os que afirmam que os migrantes têm é que cumprir a lei: como se a lei não fosse fruto do uso e costume, e do outro os que defendem que os migrantes são uma ameaça à ordem e à identidade nacional, como se antes desta atual fase de migração a sociedade portuguesa (e todas as outras) fosse uma sociedade de ordem e paz, o que revela ignorância histórica ou má-fé ao esquecer as guerras civis que originaram a fundação da nacionalidade, a crise de 1385, a guerra civil do Prior do Crato, as desordens do Alentejo ditas do Manuelinho, ou altercações de Évora, as lutas liberais, as revoltas e lutas populares da República… e revela ainda as dificuldades históricas da sociedade portuguesa em integrar os escravos quando estes foram libertados, e também a de integrar as comunidades de judeus que permaneceram em Portugal com a falsa conversão e de que Belmonte, Castelo de Vide são exemplos.

A atual questão da migração foi e é excitada por fins políticos pelas classes dominantes dos Estados Unidos e da Europa para manterem o seu domínio numa situação em que estes dois espaços que foram hegemónicos estão a sofrer a concorrência da Ásia, em que o poder está a passar do Atlântico para o Pacífico.

A questão da migração é um velho argumento — um truque de algibeira — ressuscitado pelas classes dominantes segundo as suas conveniências. Estamos, os povos e as gentes comuns, a correr como galgos atrás de uma negaça. Em Portugal, atualmente, a negaça chama-se Ventura.

Na contemporaneidade a questão da integração de comunidades “estrangeiras” teve o seu primeiro grande momento após a abolição da escravatura nos Estados Unidos e nas Américas a sul. Os grupos dominantes, europeus, confrontaram-se com esse problema. A igualdade racial apenas foi reconhecida oficialmente nos EUA nos anos sessenta e com as resistências que persistem. A América Latina continua a viver um conflito entre três comunidades, as indígenas, as oriundas da escravatura e as comunidades europeias, portuguesas e espanhola.

Na Europa a migração começou a ser um problema sério após o final da Segunda Guerra, que originou duas correntes migratórias, uma originária dos países periféricos para os centrais, destinada aos trabalhos pesados da reconstrução, dos portugueses, espanhóis, turcos, romenos, gregos e também italianos em direção a França e à Alemanha, principalmente e, simultaneamente à imigração de longa distância resultante do movimento descolonizador, migrantes resultantes da independência da Índia, de que resultaram a União Indiana, o Paquistão e o Bangladesh, com guerras civis e que se dirigiram para a Grã Bretanha, e dos migrantes da Indochina, que se dirigiram para França, das colónias africanas inglesas e francesas, neste caso com particular relevo para a Argélia.

A Grã Bretanha e a França responderam inicialmente de forma distinta a estas vagas de migrantes, a primeira entendendo que a melhor solução era o multiculturalismo que sempre tinha cultivado na sua administração colonial, deixando os indígenas, agora imigrantes, manter as suas práticas culturais e identitárias, o que deu origem aos atuais guetos à volta das grandes cidades e mesmo no seu interior. E a França optou por integrar os migrantes na sua cultura, fabricando franceses de além-mar. As duas opções fracassaram, quer o multiculturalismo quer o integracionismo.

A formação de uma identidade é um processo muito longo. Portugal, tal como outros estados europeus, formou a sua identidade nacional a partir de identidades regionais. No caso português basta ler Oliveira Martins, que inspirou Eduardo Lourenço e, mais perto, José Mattoso, Jorge Dias, Orlando Ribeiro, que referem a diferente identidade do transmontano, do beirão, do alentejano, dos povos do norte e do sul, do interior e do litoral e ainda integrando identidades externas, nomeadamente de migrantes europeus, ingleses, franceses, dos países baixos e de africanos vindos como escravos e posteriormente libertos.

A sociedade portuguesa, tal como a europeia, os seus políticos e os intelectuais conhecem, ou deviam conhecer bem o fenómeno da migração na vertente de imigração e de emigração. O alarido esbracejante a propósito do tema é revelador de má fé, de faquismo político, porque sendo o fenómeno conhecido há tanto tempo, o mínimo que seria exigível a um político que merecesse ser levado a sério seria que ele apresentasse soluções em vez de gritar pela polícia, que é o que estão a fazer os dirigentes europeus. Enviar navios patrulha para o Canal da Mancha ou para o Mediterrâneo é como estancar um rio com uma rede. Puro espetáculo.

Há soluções para a questão migratória na Europa? Não. O que existe são caminhos para reduzir os fluxos migratórios e o primeiro deles é não provocar conflitos que os geram, exatamente o contrário do que a Europa tem feito ao alinhar com a política de desestabilização dos Estados Unidos no Médio Oriente, em África e na Ásia. O segundo é fomentar uma política de desenvolvimento sustentado na Europa, o que exige a energia da Rússia e as matérias primas de África e da América Latina: e claro, boas relações da Europa com o mundo.

O que não é solução é encostar migrantes à parede, ou encerrá-los em campos de concentração, ou despejá-los como lixo tóxico a troco de pagamento a políticos corruptos de determinados estados (a Albânia ou o Ruanda, por exemplo). Nem servir de peão às ordens dos Estados Unidos. Comprar armas também não resolve o problema da segurança, antes pelo contrário, aumenta os riscos. Todos os grandes conflitos foram antecedidos por uma fase armamentista.

A política europeia tem de ser virada do avesso.

[1] Gaia: termo grego associado à origem primordial.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

A vida, a ética e os políticos (II)

25 de Novembro: uma AR a queimar pneus

"Ao celebrarmos os 50 anos de Abril seria do mais claríssimo bom senso evocar as datas mais importantes desse processo, do 28 de Setembro à aprovação da Constituição em 1976, passando, como é evidente, pelos 50 anos do 25 de Novembro. Já tentar fazer no 49.º aniversário da data algo semelhante à cerimónia da data fundadora do regime seria só ridículo, se não tivesse a gravidade de mais uma concessão da direita democrática ao radicalismo do partido de André Ventura. Que o CDS, que sempre perseguiu essa revisão, o fizesse ainda se consegue compreender historicamente. Já se estranha que uma força tão nova como a Iniciativa Liberal consiga equiparar a celebração do 25 de Novembro ao derrube da ditadura, como fez de forma lamentável o seu líder, mas a IL adora guerras culturais. Agora que o PSD, com toda a sua responsabilidade política, tenha proporcionado este palco a André Ventura é algo que se compreende muito mal e que o irá perseguir durante anos. Porque se ouvimos discursos sensatos das duas maiores figuras do Estado, o que ficará a ecoar nas paredes do hemiciclo é André Ventura a fazer peões discursivos com os seus temas divisivos, provocando muito fumo, sem sair do sítio e sem mostrar futuro. Mais uma exibição do zaragateiro da República, um momento baixo da história do Parlamento, do qual, infelizmente, o PSD foi cúmplice."

Nota de rodapé

Passaram mais de 15 anos desde que escrevi isto no OUTRA MARGEM.

Muito se fala em ética, nos dias que passam.
A política, ouve-se dizer amiúde, deveria conter um elevado sentido ético, de missão e de serviço.
A ética, o sentido de missão e de serviço, na vida como na política, só podem ser um ponto de partida, nunca um ponto de chegada.
Os partidos, esses “chamados pilares da democracia”, não são propriamente uma escola de virtudes, de bons costumes e de lisura de processos.
Para mim, é claro há muitos e bons anos, que quem pretender militar com lisura num partido, seja ele qual for, da esquerda à direita, corre o risco de, mais tarde ou mais cedo, entrar em conflito e, no mínimo, se não se quiser aborrecer muito, acaba por ir "dar uma volta ao bilhar grande”, para arejar as ideias.
Portanto, para mim, discutir a vida interna dos partidos está fora de questão.
Verdadeiramente motivante, isso sim, é a discussão das consequências que as decisões políticas têm na vida de todos nós. Questionar ou comentar propostas dos poderes, assim como escrutinar a gestão da “coisa pública” e a aplicação dos dinheiros do estado, é um acto de cidadania a que, nem os cidadãos nem os políticos, estão habituados. Aliás, os políticos, sejam do poder central ou do poder local, sentem-se especialmente desconfortáveis se forem atentamente observados pelo cidadão normal.
Para mim, é para o lado que me viro melhor. A meu ver, político que não queira ser escrutinado, só tem uma coisa a fazer: mudar de vida.
Portanto, nunca irei compreender o engulho que as questões ou opiniões dos cidadãos geram em alguns políticos.
Se há alguém que deve esclarecimentos, são eles próprios, os políticos. Justificar, clarificar e demonstrar o interesse público das suas propostas de realizações é o mínimo a que estão obrigados.
A arrogância, a prepotência, a soberba e a falta de humildade democrática nunca ajudaram a alterar significativamente, para melhor, a vida dos cidadãos."

Decorridos mais de 15 anos estas palavras estão mais actuais do que nunca...

sábado, 9 de novembro de 2024

A concessão de água e saneamento terminava em 2029, mas foi prorrogada até 2042

Via Diário as Beiras


Águas da Figueira vai investir 21 milhões de euros em 12 anos

A concessionária do sistema de água e saneamento da Figueira da Foz, Águas da Figueira, vai investir 21 milhões de euros em 12 anos. A concessão terminava em 2029, mas foi prorrogada até 2042. A nova versão do 4.º aditamento ao contrato de concessão, assinado pelo município e pela empresa, foi aprovado ontem, na reunião de câmara. Além daquele investimento, que inclui 750 mil euros por ano para a conservação do sistema, o executivo camarário de Santana Lopes encaixa mais 7.300 euros por mês, provenientes da renda da sede da concessionária, que subiu para 10 mil euros. A vice-presidente da câmara, Anabela Tabaçó, disse aos jornalistas que, em 12 anos, o total representa “um pacote financeiro de 42 milhões de euros”. Sem “implicar aumento extraordinário do tarifário”, garantiu.

O presidente da Câmara da Figueira da Foz disse ontem que não está satisfeito com a atuação da Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Coimbra e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC).
No final da reunião daquela autarquia do distrito de Coimbra, Pedro Santana Lopes manifestou, aos jornalistas, insatisfação por existirem “vários projetos e processos, em áreas vitais para os municípios, cujo andamento não está a correr bem”.
No caso da CIM da Região de Coimbra, o autarca eleito pelo movimento “Figueira a Primeira” deu como exemplo a questão da recolha dos resíduos sólidos urbanos, que teve aumentos brutais nos últimos anos, e o concurso para os transportes públicos intermunicipais, “que dura há três ou quatro anos e ainda não acabou”.
“Nos transportes ainda vão formar motoristas e ter um período de transição e o concurso dura mais do que um mandato, o que é uma coisa de anedota”, enfatizou.
Salientando que sempre falou bem da realidade das comunidades intermunicipais, o presidente do município figueirense realçou que, neste momento, a atividade da CIM Região de Coimbra “não está numa altura especialmente frutífera”.
A insatisfação de Santana Lopes estende-se também à CCDRC, que “não resolveu até hoje um assunto dos processos pendentes” da Câmara da Figueira da Foz.
“Temos de andar aí a esgravatar por todo o lado”, queixou-se o autarca, lamentando que aquele organismo “nunca tenha conseguido encaixar em nenhum fundo o programa Portugal 2020” nem resolvido a questão do financiamento da Ponte Eurovelo 1, sobre o rio Mondego, “embora a Câmara tenha as suas garantias de fundos”.
Santana Lopes enumerou ainda outros processos por resolver na CCRDC para concluir que o município da Figueira da Foz “não tem ajuda em áreas que devia ter mais”.
O presidente da Câmara é taxativo ao afirmar que as entidades criadas para descentralizar a relação com o Estado não estão a funcionar bem.
“Quando se descentraliza e isso implica criar mais circuitos pesados, a descentralização não vale a pena. Só vale a pena quando é para as coisas andarem mais depressa”, sustentou o autarca, que, no entanto, defende a continuidade deste tipo de organismos, embora saliente que o país está a preparar uma nova organização administrativa.
Na reunião foram, ainda, aprovadas 20 bolsas de estudo para estudantes figueirenses que, neste ano letivo, frequentam o ensino superior, no valor de mil euros cada. 

domingo, 15 de setembro de 2024

A anedota da semana que passou

Jornal Público, edição de sábado, 14 de Setembro de 2024:
Ministro da Defesa diz que Olivença “é portuguesa” e “por tratado, deverá ser entregue ao Estado português”. “Não se abdica” dos “direitos quando são justos”, afirmou Nuno Melo. “Olivença é portuguesa, naturalmente, e não é provocação nenhuma”, disse o ministro.

Olivença é um município com cerca de 11 mil habitantes que fica junto a Badajoz. Foi anexado por Espanha em 1801. Nuno Melo, o ministro da Defesa Nacional, que cumpriu parte do seu serviço militar precisamente no RC3, unidade do Exército também conhecida como Dragões de Olivença, considera que “muitos avaliam a circunstância [de Olivença] numa razão caricatural”“ Diz-se que desde o Tratado de Alcanizes, como Portugal tem as fronteiras mais antigas definidas, excepto esse bocadinho”, porque, “no que toca a Olivença, o Estado português não reconhece como sendo território espanhol”
Na sua opinião, esta não é uma questão “de ontem, é de hoje”. O ministro da Defesa Nacional referiu o próprio Regimento de Cavalaria n.º 3, a mais antiga unidade do Exército em actividade, que assinalou na passada sexta-feira os seus 317 anos: “Estes dragões são de Olivença por alguma razão”.
Olivença “é portuguesa”, o que está estabelecido por tratado. Para Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional, “não se abdica” dos “direitos quando são justos”.
Indignado, Manuel Andrade, Alcaide de Olivença, disse: "estou convencido de que o ministro [da Defesa, Nuno Melo] tem assuntos mais urgentes e importantes para tratar neste momento".
Imagem via Público. 

sábado, 2 de março de 2024

Para uma identificação dos partidos como forças de classe

 Manuel Raposo, arquitecto

«O jargão parlamentar e comunicacional impôs na opinião pública uma identificação das forças partidárias segundo critérios de tipo topográfico (esquerda, direita, centro) ou de tipo comportamental (extremista, radical, moderado) que na verdade pouco ou nada nos dizem sobre a sua natureza política. Importa lembrar que os partidos, todos eles, representam classes sociais, mesmo quando a ligação entre aqueles e estas se mostra obscura e difícil de estabelecer. Apagar esta matriz significa esconder os interesses de classe que se alinham nas políticas das diversas forças partidárias, não apenas no que por elas é proposto, mas também no que respeita à sua acção prática.

As ideias políticas avançadas por cada partido só parcialmente permitem identificar esses interesses, que se apresentam, na maior parte das vezes, revestidos por uma roupagem de “interesse geral” pretensamente dirigido a qualquer classe social. “O país”, “os cidadãos”, “os portugueses” são termos que identificam essa roupagem enganadora. O primeiro elemento de demagogia das campanhas de propaganda partidárias está exactamente aqui: no obscurecimento da raiz de classe de um partido, dos interesses que defende por debaixo das palavras que usa, das propostas que faz, ou do público a que se dirige.

De um modo geral, numa sociedade que não atravesse uma situação revolucionária, os partidos dominantes são os partidos das classes dominantes. As classes trabalhadoras, massacradas pela propaganda oficial, são convidadas a escolher entre eles sem alternativa. Torna-se difícil, nessas situações, que uma via política de classe, independente e radical, obtenha o apoio da maioria dos trabalhadores. Mas pode sempre mobilizar uma minoria significativa de trabalhadores combativos.

Como as campanhas eleitorais são terreno propício para o adensamento daquele tipo de nevoeiro, aqui se deixa uma contribuição para identificar, em cada força partidária do espectro parlamentar, a natureza de classe dos interesses que defende e que ligação isso tem com as formulações políticas que avança.

Chega

É o partido dos despolitizados. Capta abstencionistas de longa data, gente que está farta de viver mal e de ser ignorada, que nutre justo desprezo pelo sistema dominante (político, social, económico, cultural) mas que não tem visão política de como sair da situação, e decide apostar às cegas.

As opiniões políticas e outras destas camadas sociais não resultam de uma análise racional da realidade, mas sim de sentimentos de raiva e inveja. Raiva contra os responsáveis pela sua má vida e inveja dos bem-sucedidos cujo nível sentem nunca poder atingir. Por ignorância, são facilmente levadas a identificar erradamente os culpados dos seus males: viram-se contra os imigrantes que acusam de “roubar o nosso trabalho” e de viverem “à pala do subsídio”, ou contra “os comunas” e “os xuxas” que acusam de destruir a economia e os bons costumes, ou contra os grevistas que acusam de “querer ganhar sem fazer nenhum”.

O Chega cumpre o papel histórico de todo o fascismo: arrastar para o campo da burguesia a pequena burguesia arruinada, amedrontada e desorientada, procurando colmatar a brecha que a decadência do capitalismo abriu entre uma e outra. Atrás desta, seguem franjas das classes populares. As promessas de “mudança”, com demagogia a rodos, procuram colocar os que pouco ou nada têm a reboque dos que estão bem na vida.

A despolitização da população trabalhadora abre campo e fornece apoios a este novo fascismo. A sua política é uma amálgama de estatismo para atrair a massa empobrecida e de liberalismo para contentar o capital e suscitar o seu apoio. Os seus líderes vociferam contra “o sistema” para ganharem um lugar no sistema. Os apoios financeiros que vão recebendo mostram a quem servem. A crise da democracia burguesa parlamentar que acompanha  a falência do capitalismo fornece-lhes espaço de manobra e argumentos.

O seu campo de recrutamento é a pequena burguesia desesperada, as forças repressivas (às quais um poder “forte” beneficia), o proletariado mais miserável empurrado para fora do regime do salariado, franjas dos trabalhadores que não vêem ou desesperaram de ver soluções próprias da sua classe. Cativa ainda faixas da população jovem que não se encaixam numa única classe social – “a malta nova”, igualmente despolitizada, atraída pela vozearia “anti-sistema” e pela rebeldia teatral do líder do partido. Tem pés assentes em sectores da alta burguesia, bem identificáveis pelos resultados obtidos em mesas eleitorais das freguesias mais ricas.  

O capital espera para ver o êxito da manobra. Entretanto, financia-a. A burguesia acolhe sempre as organizações fascistas e de extrema-direita como forças políticas de reserva.

Iniciativa Liberal

São os apóstolos da liberdade total para o capital. Representam os interesses monopolistas arvorando a “iniciativa individual” como bandeira. Defendem (com atraso de 40 anos) a ideia de que quanto mais ricos forem os de cima, mais poderá sobrar para os de baixo. A prática já mostrou que, por tal via, nem crescimento económico, nem diminuição da pobreza – mas isso não lhes interessa. São os paladinos da desigualdade de classes como motor da economia. 

Constituem a resposta extremada da direita e do capital ao marasmo dos negócios capitalistas: privatizar tudo o que possa dar lucro para que o capital tenha mais pasto. Daí, transferir as verbas sociais do Estado para bolsos privados. Daí, o favorecimento do negócio privado da saúde à custa do SNS. Daí, a privatização da CGD, para as mãos da banca espanhola e europeia. Daí, a privatização da TAP, para as mãos das grandes transportadoras europeias.

Apoiam-se numa média burguesia urbana (universitários, quadros qualificados de empresas privadas). A IL faz junto das classes altas e dos quadros do capital politizados aquilo que o Chega faz junto das camadas populares despolitizadas e desesperadas. Completam-se.

PS e PSD

São os dois grandes partidos da burguesia. Separa-os a forma de conduzir a política do capital, particularmente difícil numa situação de crise geral dos negócios que se prolonga sem fim à vista. A alternância de um e outro no poder, sem que nada de essencial mude, prova o serviço comum que prestam ao capitalismo e às classes dominantes. 

São, por igual, serventuários do poder imperialista, sejam os monopólios da UE, sejam os monopólios mundiais liderados pelos EUA. São responsáveis por amarrarem o país aos propósitos bélicos dos EUA, da NATO e da UE. As garantias que ambos dão de aumentar os gastos militares vão traduzir-se num ataque ruinoso às políticas de apoio social.

O PS baseou a sua política dos últimos nove anos num tripé: 1) pagar a dívida do Estado (na maioria, dívida do capital privado assumida pelo Estado) com os recursos de todos; 2) distribuir migalhas aos pensionistas e aos trabalhadores assalariados; 3) canalizar as colossais verbas europeias (nomeadamente, do PRR) para reforço do capital. Assim, a dívida do capital (que não tem fim) vai sendo saldada pela massa do povo, que em troca recebe pequenos benefícios que lhe calam a boca.

O governo do PS beneficiou da devastação causada pela troika entre 2011 e 2014. Diante da brutalidade das medidas antipopulares do governo PSD-CDS, qualquer pequena melhoria passou por ser um grande alívio. Não foi: os desníveis sociais continuaram a aumentar, a pobreza avançou, o trabalho precário proliferou, as medidas sociais pautaram-se pela busca de um “equilíbrio” que não pusesse em causa os negócios privados (na saúde, na habitação, na política salarial, na legislação laboral).

De 2015 a 2019, o PS tirou partido do apoio dado pelo BE e pelo PCP. As lutas sociais (sindicais, etc.) em vez de crescerem, na sequência da derrota da direita, foram amortecidas. Alimentou-se a esperança vã de que o Governo resolveria os males dos trabalhadores pela via parlamentar e negocial. Em vez de se ver apertado pelo movimento popular e laboral (que tinha encurralado o governo da troika), o governo do PS ficou de mãos livres. Resultado: a recuperação das perdas vindas do tempo da troika não foi feita, nem na totalidade, nem no que era essencial. Por exemplo, a legislação laboral permaneceu intocada na questão decisiva da contratação colectiva, retirando poder negocial aos sindicatos. 

No final de quatro anos, o PS obteve maioria absoluta à custa dos seus apoiantes, canibalizando-os. O baixo nível das lutas sociais, nomeadamente operárias, durante esses quatro anos explica o sucedido. E vem igualmente daí – da falta de oposição popular de massas com voz política própria – o à-vontade com que crescem a direita e a extrema-direita.

O PS é o principal partido das camadas médio-burguesas e pequeno-burguesas reformistas, o que lhe permite apresentar-se diante do capital, grande e pequeno, como o partido da “estabilidade” e das medidas “equilibradas”. Consegue, com este estatuto, neutralizar grande parte da massa trabalhadora, a qual deposita esperanças no reformismo que o PS apregoa abdicando da sua independência política. É isto que faz dele o melhor instrumento político do sistema capitalista em momentos de crise social – como se viu no verão de 1975 e recentemente com a política terrorista da troika.

O PSD é o outro actor para a mesma política de fundo. Com uma particularidade na situação presente: tira partido do marasmo das lutas operárias e populares e da despolitização geral da população trabalhadora. Acha por isso possível ir mais longe que o PS: privatizar empresas estatais rentáveis, libertar de impostos o capital e diminuir os apoios sociais, beneficiar abertamente o negócio privado da saúde, sacrificar as políticas sociais de habitação aos interesses imobiliários, agravar sempre que possível a legislação laboral dando mais liberdade de manobra ao capital. 

O seu modelo é a IL, só que um passo atrás. Admite abertamente uma coligação com a IL e não a põe de lado com o Chega se isso for necessário para formar governo.

Apoia-se no grande capital, nas classes médio-burguesas e pequeno-burguesas proprietárias, urbanas e rurais, em quadros de empresas, nas camadas assalariadas dos serviços com maiores rendimentos. A sua base de apoio social e eleitoral cruza-se em larga medida com a do PS, e daí serem intermutáveis para efeitos de governo.

BE e PCP

São a esquerda do regime político vigente. Ambos estão integrados no sistema capitalista. É na qualidade de esquerda institucional que levam a cabo a sua crítica dos males do regime. Criticam-no pelos seus excessos e injustiças, mas não pela sua natureza de classe, não pela sua natureza de sistema de exploração que deva ser abolido. A luta política parlamentar, no quadro das instituições, é o centro da sua actividade. Mobilizar as massas trabalhadoras contra o sistema capitalista numa acção política independente está fora dos seus horizontes. 

Vivem na dependência estratégica do PS. Qualquer uma das fórmulas de “governo de esquerda” avançadas pelo BE ou o PCP depende inteiramente de uma posição hegemónica do PS no eleitorado popular. O acordo governativo de 2015 foi disso exemplo.

O BE tornou-se um simples apêndice de esquerda do PS, o grilo falante que aponta os males que continuam por debelar. Sem bases seguras na massa popular e trabalhadora – sindicatos, comissões de trabalhadores, autarquias, que perdeu progressivamente ao privilegiar a acção eleitoral e parlamentar – não tem hoje outra via de intervenção que não seja constituir-se como a consciência crítica do reformismo (mal) corporizado pelo PS. 

Abandonou qualquer demarcação face à UE enquanto formação imperialista do capital europeu. Abandonou igualmente a crítica à NATO enquanto braço armado do imperialismo. O alinhamento pelo Ocidente na guerra da Ucrânia coloca-o ao arrasto da política guerreira do imperialismo EUA-UE, a par dos partidos da burguesia capitalista.

Pôs de lado qualquer ideia de luta pelo socialismo em favor de uma via de “melhoramentos” do sistema capitalista. As causas sociais parcelares a que se dedica não constituem, todas somadas, uma linha política anticapitalista. Esqueceu que é a luta das massas populares pela transformação social radical que dá sentido a cada luta particular e a cada reivindicação.

A sua base de apoio cruza-se em parte com a do PS. Recruta entre as camadas pequeno-burguesas reformistas mais à esquerda, principalmente urbanas, meios universitários, sectores de trabalhadores precários, trabalhadores que abandonaram a perspectiva da revolução social, camadas de classe que pugnam por causas sectoriais (ambiente, direitos de minorias, etc.). Muitas destas camadas, pela posição de classe e pela ideologia, oscilam entre o BE e o PS, como se viu nas eleições de 2022.

O PCP é o único partido que mantém bases na classe operária, em diversos outros sectores de trabalhadores assalariados, nos sindicatos e noutras organizações de massas. Esta influência está em perda. Cada vez mais, a intervenção do partido se reduz ao parlamento e à actividade sindical. A sua política definha por isso mesmo. 

Operou, sobretudo nos últimos anos, o que se pode chamar uma sindicalização da actividade política – justamente o que Lenine apontou como um sinal da secundarização da luta política, de classe, junto dos trabalhadores. Reduzir a luta de massas à acção sindical e reivindicativa conduz em linha recta à despolitização dos trabalhadores. Esse efeito está hoje bem à vista: a maioria absoluta do PS obtida há dois anos e o crescimento da direita são também resultado dessa despolitização.

Na propaganda do PCP, o 25 de Abril é uma bandeira puramente democrática, sem referência ao seu lado popular-revolucionário, anticapitalista. A luta no quadro da Constituição é o limite a que as acções de massas se subordinam. Aqui reside uma das principais razões da perda de apoio eleitoral do partido, da degradação da sua política, do seu esgotamento ideológico, do apagamento das suas palavras de ordem, da perda de quadros, da dificuldade em recrutar apoios jovens. 

Mantém, em relação à guerra na Ucrânia, uma demarcação das posições oficiais que é única no quadro das forças parlamentares. Mas a sua posição a respeito do papel da NATO e da atitude das autoridades portuguesas sobre o assunto manifesta-se em surdina, limitando-se a lembrar o preceito constitucional de dissolução dos blocos militares e a clamar pela paz – apagando a crítica política directa aos desmandos do imperialismo na situação concreta.

O PCP apoia-se em sectores do proletariado (operários e outros trabalhadores assalariados), nos activistas sindicais, em estratos da pequena burguesia mais pobre (assalariada ou proprietária), em camadas democráticas saudosas do 25 de Abril sem ambições revolucionárias. 

Livre e PAN

São o que se pode chamar adereços do regime político. Não cumprem nenhum papel que seja distinto do dos demais partidos, apesar da especificidade que reivindicam para si. 

A aposta do Livre no “projecto europeu” e no “aperfeiçoamento” do regime democrático não o diferencia dos partidos que promovem a mesma utopia sem atacarem a natureza imperialista da UE e sem encararem uma alteração radical do regime social. A sua base de apoio não se distingue da do BE ou da esquerda do PS.

O PAN cultiva a aparência de partido insubstituível no que toca às causas “do planeta”. Ignora que, sem tocar na raiz do problema, a natureza predatória do capitalismo, nada no planeta se resolverá. Afirmando-se nem de esquerda nem de direita, assume o papel oportunista de buscar alianças sem princípios, em qualquer azimute político, numa via de protagonismo fácil. Colhe apoios residuais em camadas pequeno-burguesas “apartidárias”, principalmente urbanas.

Abstenção e abstencionismo

A abstenção atinge mais de metade do eleitorado nominal, mas não constitui uma força política, como por vezes se pretende. É uma mistura que reúne tanto simples desinteressados da política de todas as classes, como estratos burgueses que acham desnecessário votar porque sentem o regime seguro, como estratos proletários e populares que não se sentem representados por nenhum partido. Reúne num mesmo saco tanto adeptos passivos do regime político como opositores que o desprezam mas não lhe vêem alternativa.

Deste saco podem sair votantes para qualquer força partidária quando as circunstâncias os fazem decidir, como acontece em períodos de grande agitação social ou quando uma força política nova parece abrir caminho. Nessas alturas, o aparente bloco da abstenção divide-se segundo as clivagens de classe ou as ilusões do momento.

A ideia, presente em alguma esquerda anticapitalista, de que uma abstenção elevada “retira legitimidade” ao regime político burguês esquece as razões muito diversas e as origens de classe distintas da abstenção. Se a abstenção tivesse em si mesma tal virtude, há muito que a maioria dos regimes parlamentares teria caído. Neste sentido, o abstencionismo é uma outra forma de apoliticismo, directamente resultante da fraqueza e da desorganização da esquerda anticapitalista.»

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Afastaram-se do PCP, mas voltam para o salvar da ameaça do desaparecimento

 Margarida Davim via Diário de Notícias

«Ex-dirigentes sindicais, muitos dos quais se desfiliaram do PCP, assinam documento de apelo ao voto na CDU. Ecologistas independentes pedem regresso do PEV ao Parlamento. E de várias áreas da esquerda há quem venha defender a importância do PC. É um apelo ao voto que começa com uma invocação da memória. Da forma como o PCP, juntamente com “outros democratas que lutavam pela liberdade, pela democracia e pela paz”, ajudou a construir direitos dos trabalhadores que ficaram firmados na Constituição de 1976. É em nome dessa história que, um conjunto de ex-sindicalistas da CGTP, vários dos quais saíram entretanto do PCP, assinam  um manifesto de apelo ao voto na CDU no dia 10 de março. Entre os signatários estão nomes como o do antigo secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, que se desfiliou do PCP há mais de 12 anos, de José Luís Judas, que depois de deixar de ser comunista foi presidente da Câmara de Cascais pelo PS, ou de António Avelãs, histórico sindicalista da Fenprof, que já esteve no BE e nas últimas autárquicas foi candidato pelo movimento independente Cidadãos por Lisboa.


A importância do “chão do PCP”

“Se o chão em que assenta o PCP desaparecer, ele é insubstituível”, declara Manuel Carvalho da Silva ao DN. E que chão é esse? “Uma preocupação programática, estrutural, intrínseca à sua essência, com o mundo do trabalho e os trabalhadores”, responde o antigo sindicalista, lembrando como o Partido Comunista em Portugal tem as suas raízes no movimento sindical do início do século XX. “O PCP é filho do sindicalismo e não o contrário, como muitas vezes por aí se diz”, nota.

“Não menorizo o papel de outras forças políticas. Mas o enfraquecimento do PCP será o desaparecimento de um chão que faz falta à luta dos trabalhadores”, defende Carvalho da Silva, que decidiu assinar o texto também pela forma como este manifesto sublinha a importância de uma frente mais ampla, lembrando como há 50 anos se uniram “trabalhadores e trabalhadoras comunistas, católicos, socialistas, de demais partidos e independentes” na construção de Abril.

“Tem grande significado na atualidade esta mensagem de que o movimento sindical precisa desta pluralidade”, frisa o antigo secretário-geral da CGTP, que chegou a apelar ao voto em António Costa para a Câmara de Lisboa nas autárquicas de 2009, mas que assegura que, apesar do afastamento do PCP, o seu quadro de valores “se mantém o mesmo”.

As “poderosíssimas ameaças da direita pró fascista”

Num momento em que as sondagens dão a perspetiva de uma quebra eleitoral acentuada para a CDU e em que a extrema-direita aparece em tendência oposta, Manuel Carvalho da Silva lembra que “a sociedade portuguesa deve muito ao PCP” e que esse é um partido em que há “um apego institucional às instituições da democracia que é muito significativo” e que entende ser particularmente relevante neste contexto político.

No texto, que é assinado por 50 históricos do sindicalismo em Portugal, defende-se que há neste momento uma tentativa deliberada de fazer desaparecer o Partido Comunista. “Dois grandes objetivos da direita são, no imediato, aprofundar o ataque aos direitos dos trabalhadores, aos sindicatos e à CGTP-IN, e enfraquecer, ou mesmo anular a existência eleitoral do PCP”, lê-se no documento, que afirma que são “poderosíssimas as ameaças das forças da direita, incluindo a direita pró fascista”, que não esconde as suas “intenções de regresso a um passado ditatorial”.

“É um momento crítico”, diz ao DN António Avelãs, que entendeu ser “uma atitude justa” apelar ao voto na CDU nestas eleições, defendendo que essa “tem sido a mais séria e consistente na defesa dos trabalhadores” e pela qual tem “um profundo respeito”, apesar de todas as divergências que, sublinha, o separam de outros dos signatários do mesmo texto. “Há divergências que me afastam de outros camaradas que assinam o documento, mas o que há de comum é muito mais importante”, argumenta.

Ecologistas pedem voto no PEV

Este sábado, o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) – que juntamente com o PCP integra a CDU – apresentou também um documento de apelo ao voto na coligação comunista, subscrito por 130 ecologistas, a esmagadora maioria dos quais independentes.

“Nestes dois anos em que o Partido Ecologista Os Verdes deixou de ter representação parlamentar, as matérias ambientais e da sustentabilidade perderam enfoque na agenda parlamentar e deixaram de ter expressão regular na Assembleia da República”, alegam os subscritores do documento, que acreditam que “a presença de deputados dos Verdes na Assembleia da República é fundamental para alertar, denunciar, propor e encontrar soluções estruturalmente sustentáveis” para o momento de emergência climática que se vive.

“Os Verdes fazem falta na Assembleia da República! É fundamental que esta voz determinada e consequente regresse ao Parlamento para que a agenda ecologista seja marcante e constante, para que o ambiente – o suporte da vida – seja priorizado e não negligenciado”, escrevem.

Estes dois apelos ao voto na CDU juntam-se a um outro manifesto, divulgado no início de janeiro, pela plataforma Iniciativa dos Comuns, que agregou ex-militantes comunistas e bloquistas, anarquistas e independentes num apelo comum ao voto.

Apelo da Iniciativa dos Comuns já foi subscrito por 400 pessoas

“Não somos militantes do PCP, nem do PEV e não partilhamos todas as suas posições. Mas sabemos da importância e seriedade das suas propostas em áreas fundamentais. Propostas que enfrentam interesses entranhados, do imobiliário à banca, e que são feitas em nome de um país que se quer solidário e autónomo”, lê-se no texto, que foi subscrito por ativistas sociais, como os rappers Flávio Almada e Xulajji, por jornalistas, como José António Cerejo ou Emídio Fernando, mas também por nomes ligados à cultura ou à ciência.

“Por jogar o seu jogo e não cair nas armadilhas do soundbite, o PCP tem sido silenciado. O verdadeiro cordão de silêncio é à volta do PCP, e isso é objetivo. Só isso já me faz gostar dele”,dizia na altura ao DN o escritor Rui Zink para justificar o apelo ao voto na CDU, apesar de todas as críticas que tinha feito publicamente aos comunistas a propósito da guerra na Ucrânia.

“Embora eu discorde em muitas coisas do partido, faz muita falta a voz do PCP na Assembleia da República”, afirmava também ao DN o jornalista José António Cerejo, assumindo pela primeira vez o apoio a uma força política por já estar reformado.

“Na hora de elegermos quem nos represente, a redução da política a uma simples tarefa de gestão dos danos provocados pelos interesses capitalistas, sem contrapeso político, convida-nos a optar pelo ‘mal menor’. E, no entanto, se deu a maioria absoluta ao Partido Socialista, a lógica do ‘mal menor’ nada resolveu”, defende-se no texto que foi subscrito por 400 pessoas dos bairros, universidades, empresas e órgãos de comunicação social e de diversos sectores sociais, todas sem filiação partidária, para defender a importância do voto na CDU nestas legislativas.

“Em breve celebraremos os cinquenta anos do 25 de Abril. É uma questão de memória, mas também de futuro. A revolta e a alegria das pessoas comuns que há meio século saíram à rua deram pleno sentido à longa história da resistência antifascista e das lutas anticoloniais. É na sua esteira que vos escrevemos, a fim de partilharmos as nossas preocupações com a situação atual e para vos dirigirmos um apelo mobilizador”, lê-se no texto, que foi buscar o título a um verso do poeta recentemente falecido Manuel Gusmão, para se apresentarem como a “esperança que não fica à espera”