Ana Sá Lopes
«Há apenas duas
semanas, escrevi
neste espaço uma
crónica com o título
“A vitória do Chega
no Congresso do
PSD”, depois das arengas de Luís
Montenegro contra a disciplina de
Cidadania. Hoje, depois do silêncio
da direcção socialista e de Pedro
Nuno Santos sobre o caso Ricardo
Leão, é difícil não concluir que o
Chega também está a vencer a
campanha para as próximas
autárquicas do PS.
A questão é tão grave, tão grave,
que o PS ficar calado sobre a
aprovação, pela Câmara de Loures,
da proposta do Chega transforma-se
numa rendição aos discursos da
direita populista radical.
Recordo que a proposta defendia
que os envolvidos em distúrbios,
como os que ocorreram na
sequência do assassínio de Odair
Moniz por um polícia, deviam ser
despejados das habitações
propriedade da câmara. Agora, falta
o PS arranjar um discurso um
bocadinho mais xenófobo (mesmo
que deixe a disciplina da Cidadania
em paz) para ter o pacote completo.
Que isto aconteça sob a direcção do
PS alegadamente “mais à esquerda
de sempre” é um susto.
O antigo deputado Ascenso
Simões veio defender, na sua página
do Facebook, o presidente da
Câmara de Loures. E usou
precisamente o argumento de que,
para evitar que o Chega tome conta
das autarquias da Área
Metropolitana de Lisboa, são
precisos mais Ricardos Leão.
Cito: “Eu não gosto do Chega, mas
não fecho os olhos à sua existência
e, principalmente, aos problemas
que lhe dão razões (…). Leão não é
um autarca fora-da-lei como alguns
dos seus camaradas quiseram fazer
acreditar nos últimos dias. Leão tem
é a realidade do seu lado e, se nada fizer, um dia teremos Loures,
Amadora e outros concelhos
governados pela extrema-direita.”
De onde se conclui que, para travar
a extrema-direita, é usar os seus
argumentos e o PS tem a vitória
garantida.
Este texto de Ascenso Simões foi
apoiado (pôr um “gosto”, em léxico
faceboquiano) por Davide Amado,
que sucedeu a Marta Temido na
presidência da concelhia de Lisboa
do PS. Também pelo antigo
secretário de Estado do Desporto e
actual deputado João Paulo Correia.
Outro apoiante foi o deputado
Carlos Pereira, vice-presidente do
grupo parlamentar do PS. Há
muitos socialistas a apoiarem
Ricardo Leão e Ascenso Simões: o
ex-deputado Pedro Cegonho, antigo
presidente da Associação Nacional
de Freguesias, é outro.
Ricardo Leão, confortado com o
suposto apoio que terá recebido da
direcção do PS (o inevitável “quem
cala consente”), veio decretar ao
PÚBLICO, no sábado, que “a
questão está resolvida” e que tudo
isto “é uma polémica que não
existe” e que não há assunto,
“tendo em conta as mensagens e
telefonemas de apoio” que recebeu.
Entrementes, desconvocou a
reunião da Federação da Área
Urbana de Lisboa — a que preside —
marcada para hoje.
É um facto que houve socialistas
que se demarcaram de Leão. Mas
todo este episódio e tudo o que tem
vindo a público até agora induzem a
pensar que o PS, em vez de ser “o PS
mais à esquerda de sempre”,
acabará por seguir o caminho de
outros partidos socialistas europeus
que cederam, tal como os seus
parceiros europeus da direita
democrática, à direita populista.
Estas autárquicas vão ser o teste
do algodão, e tudo indica que o PS
vai querer competir no mesmo
terreno onde a AD já tinha entrado
— o discurso demagógico e
populista “justiceiro”. Sem dó nem
piedade.
Quando se perdem os princípios,
perde-se tudo. Eu sei que isto não
tem directamente que ver com este
assunto (ou só remotamente tem),
mas neste sábado pus-me a ler a
história da vida de Oswald Mosley, o
presidente da União Britânica dos
Fascistas. Antes de fundar os seus
partidos, Mosley foi do Partido
Trabalhista, da sua ala mais à
esquerda. Aderiu ao Independent
Labour Party, uma espécie de
“partido irmão” do Labour, mais
radical. Mosley era olhado por
personalidades importantes no
movimento trabalhista britânico
como possível futuro líder.
Aneurin Bevan (líder da ala
esquerda do Labour e fundador do
NHS) gostava muito de Oswald
Mosley, antes de este se tornar
fascista. A deputada Jennie Lee — da
ala mais radical do Labour, que virá
a ser ministra da Cultura no governo
de Harold Wilson — adorava-o,
assim como Beatrice Webb, outro
nome decisivo do movimento
trabalhista do início do século XX. A
História serve para alguma coisa.»