domingo, 11 de setembro de 2022

Um verdadeiro artista, "pode enganar muita gente durante muito tempo, mas não consegue enganar toda a gente durante todo o tempo"

Apresentar cortes futuros nas pensões devidas embrulhados num pacote de apoio às famílias pode valer boa nota artística a um ilusionista. 
Porém, nem todos gostamos de empobrecer e sermos tomadas por parvos. Para quem ainda tem dúvidas leia a parte desta entrevista dada pelo Ministro das Finanças ao Jornal de Notícias.
"O tema das pensões foi dos mais polémicos desta semana. Apesar da antecipação de meia pensão em outubro, com a limitação do aumento em 2023 levanta-se a questão de se reduzir a base para os aumentos seguintes. O Governo avaliou o risco em torno deste debate sobre as pensões e admite que possa ter sido mal escolhido o momento para introduzir a discussão da sustentabilidade da Segurança Social? No fundo, para introduzir um tema que limita pensões num momento que é de avançar apoios extraordinários?
O Governo decidiu criar um apoio extraordinário no valor de 50% de cada pensão, que será pago aos pensionistas no mês de outubro, e decidiu também anunciar os aumentos para 2023, que serão os maiores aumentos pelo menos desde que existe esta fórmula.

Mas seriam superiores precisamente à luz da fórmula.
Não, com os valores entre o apoio extraordinário e os aumentos de 2023, os pensionistas receberão exatamente o mesmo valor que receberiam com a aplicação da fórmula só em 2023.

A questão é 2024 e a alteração da base.
Já lá vou, com rigor. Este debate começou com um conjunto de afirmações que não eram verdadeiras, nomeadamente por parte de responsáveis de partidos de oposição, dizendo que não estávamos a fazer as contas certas, mas as contas estão certas, são rigorosas, são verdadeiras. Os pensionistas não perderão nada relativamente àquilo que decorria com a aplicação da fórmula em vigor. Isto é muito claro. Porque é que o Governo anuncia o aumento para 2023 quando anuncia o apoio extraordinário? Precisamente para ser transparente e verdadeiro relativamente àquilo que iria fazer.

Mas para ser mais verdadeiro ainda, não deveria dizer "vamos precisar de rever e conter as pensões para o futuro"? Não seria mais transparente clarificar que o Governo abre esse debate e que há um efeito futuro? Percebemos o jogo de palavras, nenhum pensionista perde absolutamente nada até final de 2023, o que se perspetiva é que venha a perder a partir de 2024.
É bom que já fique clarificada toda a situação de 2022 e 2023, porque quando este debate começou não foi isso que ouvi. O que eu ouvi muito da agenda mediática é que havia aqui uma penalização. Não há nada. As pensões que foram aumentadas em 2022 têm um apoio extraordinário agora no final de 2022, terão um aumento em 2023 e terão um aumento em 2024. Não há nenhum corte ou redução, há um aumento em 2022, 2023 e 2024. A questão que se colocou é que nós precisamos de fazer uma reflexão relativamente à fórmula de atualização das pensões. E temos de o fazer com tempo, com ponderação.

A discussão da sustentabilidade da Segurança Social abre mais o debate que a taxa de atualização. Está tudo em cima da mesa - como rever as fórmulas de cálculo, o tempo de pensão, a parceria com os privados - nessa discussão?
O debate tem de decorrer com calma, com tempo, com ponderação, com muito envolvimento dos parceiros sociais.

A serenidade que transmite é aflitiva para os futuros pensionistas.
Pelo contrário, só pode ser tranquilizadora. Eu tenho uma experiência, de que muito me orgulho, de ter pertencido à equipa do ministro Vieira da Silva, quando foi criada a atual fórmula de pensões. Recordo-me bem do trabalho, da discussão. Recordo-me, aliás, de o Partido Socialista ter ficado sozinho na defesa dessa fórmula, que hoje é, aparentemente, defendida por todos. O Partido Socialista enfrentou com clareza e com verdade o tema da sustentabilidade da Segurança Social no nosso país. Aliás, foi o único partido que o fez, porque era um problema grave. Passados estes anos da aplicação da fórmula de financiamento, podemos retirar algumas lições. Primeiro, a fórmula não funcionou bem quando a nossa inflação era muito baixa.

Não funcionou bem em desfavor dos pensionistas?
Durante os anos que a inflação foi zero ou até negativa, as atualizações que resultariam da aplicação restrita da fórmula eram muitíssimo baixas ou até inexistentes, por essa razão é que nos últimos seis anos foram sempre aplicados complementos extraordinários por fora da fórmula. Esta é em minha opinião uma matéria que deve ser revista. Os pensionistas devem ter um mínimo assegurado superior àquele que a atual fórmula dita, quando para períodos de baixa inflação. A fórmula também não foi criada para períodos de inflação extraordinária como aquele que estamos a viver. Um aspeto muito importante do sistema da Segurança Social é a sua sustentabilidade. A sustentabilidade das contas públicas é aquilo que garante a nossa capacidade de termos um sistema público a assegurar níveis elevados de segurança a todos. Parece que estamos a recuar 15 anos no debate. Nós temos uma elevadíssima responsabilidade com os atuais pensionistas, mas o sistema tem uma responsabilidade maior, que acresce a esta, que é uma responsabilidade intergeracional.

Num país profundamente envelhecido.
O país vai continuar para as gerações futuras. Os atuais ativos têm de ter as suas pensões asseguradas, aqueles mais novos que estão a entrar no mercado de trabalho também e os que neste momento estão a estudar também, e os que vão nascer este ano também. Temos a obrigação de cuidar de todos e garantir que cheguem à idade própria e o sistema tenha capacidade de pagar pensões. Aqueles que desvalorizam o tema da sustentabilidade estão a falhar com as gerações do presente, mas estão também a falhar com as gerações do futuro."

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