terça-feira, 5 de julho de 2022

"Os festeiros" Santana Lopes e Jorge Aniceto não deixaram morrer a Festa em honra de São Pedro na Cova e Gala

No passado domingo, aconteceu algo inédito no concelho da Figueira da Foz. Para evitar a recolha da Bandeira ao interior da Capela, por não haver quem protagonizasse a continuidade e a realização da festa em honra do padroeiro na Cova e Gala, em 2023, Santana Lopes, presidente da Câmara da Figueira da Foz, e Jorge Aniceto, presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro, "chegaram-se à frente e assumiram o papel de festeiros". Desta maneira, evitaram que, em 2023, houvesse uma interrupção numa Festa centenária, pois segundo João Pereira Mano, a Festa de S. Pedro da Cova e Gala, foi trazida de Ílhavo, em meados do século XVII, pelos habitantes que fundaram a Cova e, mais ou menos 40 depois, a Gala.
Imagem via Diário as Beiras

O caso é curioso. O que aconteceu, observado sobre o ponto de vista político e religioso, é interessante e merece reflexão.
Santana Lopes e Jorge Aniceto, assumiram o seu papel de "festeiros", enquanto pessoas ou enquanto políticos?
A sua Liberdade religiosa, enquanto pessoas, é total e absoluta e ninguém pode questionar ou colocar em causa. Porém, a sua liberdade de manifestação religiosa, enquanto políticos que representam um universo de pessoas que têm toda a Liberdade de outras opções religiosas, pois vivemos num estado laico, não é bem a mesma coisa. 
Há momentos em que determinadas manifestações religiosas podem colidir com a Liberdade religiosa de outras pessoas que os políticos representam.
 
Contudo, não faço disto uma questão decisiva e acredito que, mais do que a legislação, é o bom senso que deve prevalecer, equilibrando sem dramas as regras decorrentes do estatuto de estarmos num Estado não confessional, por um lado, e a preservação da história, dos  costumes e das tradições, por outro. 
A meu ver, a Liberdade, incluindo a religiosa, nunca pode ter um conteúdo negativo. Sou sempre pela possibilidade de expressão, de associação, de ensino, de visibilidade, de diálogo e reconhecimento público e institucional. 
Estas sim, de facto são questões decisivas, não negociáveis, da Liberdade, incluindo a  religiosa. A Liberdade de uns, nunca se pode fazer à custa da liberdade dos outros. 
A história da humanidade já nos ensinou as consequências trágicas dessa visão. No limite, pode conduzir a contornos revanchistas e totalitários.

A laicidade, ou melhor, a laicização - palavra que traduz melhor a ideia de um processo em movimento -, é uma marca comum a todas as sociedades democráticas: significa a autonomização da sociedade em relação à religião, processo através do qual a religião deixa de estruturar a organização social e legal. As diferentes instituições religiosas podem fazer campanha em defesa dos seus valores e ideias, mas não podem ter força legal para os impor. 
A Igreja Católica pode combater contra a Lei do Aborto, ou ser contra os casamentos homossexuais, mas não tem força legal para evitar isso se a maioria do povo, em eleições, assim o decidir.

Nos países predominantemente católicos, como é caso de Portugal, marcados pelo conflito entre o Estado e a Igreja, a laicização foi normalmente imposta por cima, a partir do Estado. Nos países protestantes, onde as igrejas conheceram uma mutação interna profunda, a autonomização da sociedade em relação à religião partiu de baixo, da própria sociedade civil.
A laicização tomou formas diferentes em cada país, em função da sua história, das suas tradições e da sua cultura. Em Portugal, temos um estatuto de separação com cooperação com as diferentes confissões. 
Devia imperar a diversidade e a liberdade religiosa. 
Há países em quem não é assim. Nos EUA, onde moram muitos habitantes da Cova e Gala que para lá emigraram em busca de melhores condições de vida, embora o  sistema seja de clara separação entre o Estado e a Igreja, a religião tem uma forte presença não só na sociedade, mas nos próprios actos públicos. 
Em Portugal, isso seria considerado uma ofensa à laicidade e uma "beatice". Podemos entender esta perspectiva do ponto de vista histórico. Contudo, em minha opinião, isto revela uma visão errada da laicidade, entendida não como a condição de liberdade religiosa, mas como a condição da erradicação da religião. É que, apesar do que se diz em contrário, em certos sectores políticos, a religião continua a ser encarada como "o ópio do povo".
A meu ver, a tomada de posição de Santana Lopes e Jorge Aniceto, não encerra polémica nenhuma, pois são "festeiros" e vão realizar a Festa de São Pedro,  em 2023, enquanto pessoas crentes e devotas e não enquanto políticos.

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