O caso está a ser investigado por suspeitas de "instrumentalização" da Fundação Aga Khan
A princípio o projeto prometia: a construção de uma academia da Fundação Aga Khan ia servir de âncora a um projeto imobiliário na zona de Birre, em Cascais. Câmara, fundação e dono do terreno, o fundo imobiliário Lusofundo, até assinaram um memorando de entendimento. Isto foi em 2014. Pelo caminho, a Aga Khan desistiu da ideia, mas o proprietário do terreno não, avançando com a intenção de urbanizar. O caso está a ser investigado pela Unidade Nacional contra a Corrupção da Polícia Judiciária e pelo DIAP de Lisboa, por suspeitas de "instrumentalização" da Fundação Aga Khan para justificar uma alteração à qualificação do terreno no Plano Diretor Municipal de Cascais.
Há duas semanas, além de buscas à Câmara de Cascais, a Judiciária fez ainda buscas na Norfin, entidade gestora do fundo Lusofundo, e na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, segundo informações recolhidas pelo DN junto de várias fontes.
O foco dos investigadores está na alteração ao plano diretor municipal, em 2014, que transformou um conjunto de terrenos agrícolas urbanizável em área urbana. Porém, segundo o presidente da autarquia Carlos Carreiras disse ao DN, com uma "capacidade construtiva menor do que a que existia no anterior PDM, uma vez que o terreno está numa área classificada como "estratégica e de desenvolvimento"".
As suspeitas à volta de todo o projeto começaram logo em 2014, aquando da assinatura do memorando, que previa uma reclassificação da área, "permitindo utilizações diferentes das atualmente em vigor". "A operação urbanística visa a criação de lotes urbanos e/ou parcelas independentes, compostos por uma área de construção aproximada de 160 mil m2", referia ainda o documento.
Tais indicações levaram a que muitos movimentos cívicos de Cascais começassem a questionar a decisão por suspeitas de uma megaurbanização às portas da praia do Guincho, paredes-meias com o Parque Natural Sintra-Cascais. "Nestes terrenos, o índice de construção é de 0,35, abaixo de outras áreas do concelho e isto já demonstrámos em tribunal noutros processos", garantiu, por sua vez, Carlos Carreiras.
Certo é que, em novembro de 2015, já depois de o presidente da câmara ter anunciado a saída do compromisso da Fundação Aga Khan, a Norfin avançou na mesma com um pedido de licenciamento para os terrenos, como consta do Relatório e Contas da Lusofundo de 2015. No documento, refere-se que o "processo de negociação" entre o fundo e a fundação Aga Khan "foi concluído sem se ter obtido uma base de entendimento viável para as partes interessadas", acrescentando-se que a 3 de novembro "deu entrada nos serviços municipais o processo de licenciamento da operação de loteamento".
O assunto foi, ainda antes das buscas da Judiciária, discutido numa reunião de câmara, em junho deste ano, durante a discussão e aprovação de uma moradia nos terrenos em causa. Clemente Alves, vereador do PCP, afirmou, segundo a ata da reunião, que a construção desta moradia era apenas uma "cunha" que a Norfin procurava abrir, "para depois assegurar que a porta ficará aberta para o cometimento do atentado ambiental que se pretende levar a cabo no espaço, onde antes esteve prevista a academia Aga Khan". Uma posição secundada por Maria Teresa Gago, vereadora socialista na autarquia, recordando que "quando houve a proposta da Fundação que tinha às cavalitas uma urbanização a ser construída ali", o PS também entendeu que tal era "o abrir de porta para construções futuras naquela zona". A vereadora acrescentou que o PS nada tinha contra a instalação da academia, mas o projeto para a construção de uma moradia era "o reflexo" de que não há a academia, mas mantém-se a construção.
Em resposta, Carlos Carreiras rejeitou a acusação do "abrir a porta", declarando que quem "escancarou a porta" foi o PS quando, em 1997, aprovou o anterior plano diretor municipal. "Aí, sim, estavam previstas grandes intervenções para naquela zona", referiu.
Mas, por que motivo é que a Fundação Aga Khan desistiu do projeto? Questionada pelo DN, a fundação declarou que a "desistência ficou a dever-se ao facto de, a dada altura do processo, se ter apercebido de que uma parte das forças vivas locais não apoiava qualquer tipo de construção naquele local".
Em algum momento, a Fundação Aga Khan sentiu-se usada, instrumentalizada para dar cobertura a um projeto imobiliário? "Não. A Fundação defendeu sempre um processo negocial transparente e claro", foi a resposta obtida pelo DN.
As dúvidas sobre esta desistência mantêm-se, porém, tendo em conta declarações de Carlos Carreiras ao DN. Segundo o autarca, "a academia estava a negociar com outros municípios". Porém, continuou o presidente da Câmara de Cascais, "as intenções que manifestaram inicialmente tinham o nosso interesse". "As que que colocaram no final já não eram assim e não vou dizer mais, porque não quero ofender a rede Aga Khan", concluiu o autarca.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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