domingo, 7 de maio de 2017

Todos os dias, para mim, são dias da minha Mãe

Por isso, assinalo e recordo este dia.
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Nota de rodapé.
Miguel Torga nasceu em Trás-os-Montes, região que o marcaria para toda a vida. A sua obra reflecte a força da sua ligação à terra onde nasceu.
Médico, escritor e poeta, criado entre os trabalhadores rurais, Torga transmite todo o carácter humanista, em cada uma das suas facetas profissionais.
O poema dedicado a sua mãe, incluído no “Diário IV”, é um exemplo da comovedora capacidade de acreditar que a morte não poderia afastá-la da sua vida.

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