Daniel Santos, no jornal AS BEIRAS.
"O Presidente da República reuniu à sua volta os presidentes de câmara de todo o país para a comemoração dos 40 anos do poder autárquico. O evento foi aproveitado para sublinhar a adjudicação de mais poderes às autarquias segundo um modelo que o Governo anunciará em breve, alegadamente no respeito pelo princípio da subsidiaridade.
Constata-se porém que, não se encontrando vinculado a um órgão de ordem superior, devidamente eleito directamente pelos cidadãos, o modelo utilizado tem permitido que, de uma forma desregulada, se mantenham ao longo dos anos as decisões avulsas sobre a materialização de infraestruturas e equipamentos sempre numa lógica local, com proliferação de soluções equivalentes em concelhos próximos, como é o caso do Centro de Artes e Espectáculos na Figueira e do Convento de S. Francisco em Coimbra. Ou de infraestruturas regionais, como é o caso da Metro Mondego que, para além de não passarem do papel, induzem enormes constrangimentos, com consequências na funcionalidade regional que já vêm do passado e se projectarão do futuro.
A falta de vínculo de projectos regionais estruturantes junto de um órgão verdadeiramente legitimado pelo voto popular conduz à prossecução de soluções avulsas de rápida materialização para satisfação dos interesses eleitoralistas dos autarcas. E a administração central continua a não querer abrir mão da faculdade de distribuir tarefas e meios da forma que mais convém ao partido que está no poder."
Nota de rodapé.
Muitas vezes, ficamos impressionados por pessoas inteligentes e honestas descambarem, como dirigentes políticos, em trejeitos, tiques, erros e baixezas que, se estivessem fora da política, seriam os primeiros a repudiar e a criticar.
A metamorfose, a meu ver, não resulta da necessidade de se degradarem para chegar ao «povo».
Como é óbvio, «o povo» só vagamente será para aqui chamado.
Nas campanhas eleitorais, os políticos andam de almoços para jantares, almoços e jantares esses em que há enorme renitência em que se fale no princípio.
Têm que esperar, por vezes horas, depois de refeições pesadas e à portuguesa. Lá para o fim, fala uma longa série de oradores: o presidente da jota, o presidente da concelhia, o mandatário local, algum convidado especial e o candidato.
Depois, é sair à pressa para outra refeição para fazer a mesma coisa.
Nos intervalos, visitavam-se as feiras e os mercados obrigatórios.
As campanhas eleitorais são isto. Tudo tem de ser programado: não se podem esquecer as visitas a instituições empresariais, a "lobbies" locais, a eventos que coincidem com a campanha e que têm "gente".
E discussão de projectos e de ideias, perguntam vocês?..
Nada, zerinhos...
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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