Viajar, é do que conheço de mais gratificante.
E quando se fala em viagem, podemos simplesmente viajar no tempo, recuar a uma cidade que existiu lá atrás, no tempo, mas que, bem vistas as coisas, continua a Figueira de sempre.
Obviamente, que não vivi o tempo em que foi escrito o texto que publico a seguir, mas sinto que há qualquer coisa da nossa cidade que sempre ficou e permanece, vinda do passado.
Por isso, é da mais elementar justiça, recolher essa parte de nós, lá deixada, e divulgá-la.
Até porque, fisicamente, a Figueira, cidade, tem vindo a perder muito do seu encanto, a que acrescento, qualidade de vida.
A Figueira é uma construção que os políticos consentiram - e, também, contribuíram ao longo dos anos - que se viesse a transformar numa catástrofe onde a impiedade, a assimetria e a desconformidade estão a ser levadas ao limite.
Neste momento, exemplo disso, são os 2 milhões para aproximar a Figueira do Mar e da Praia, quando o que deveria ser feito era procurar a todo o custo aproximar o Mar da Cidade, como no tempo em que a Figueira era a Rainha das praias.
Quem tomou esta iniciativa, desconhece que foi a “Praia da Claridade” que deu a grandeza e beleza à Figueira e não será esta “milagrosa” obra que irá repor essa condição!
E o problema da erosão costeira continua a crescer e a agravar-se a sul da barra do Mondego...
"Mesmo cá de longe eu estou perto; estou a ver o desvairamento com que aí na Figueira se joga a batota, sob as vistas complacentes da autoridade que neste ponto não cumpre a lei nem as determinações superiores. Estou a ver o suspiro de alívio de mesiurs, os batoteiros, donos da nossa encantadora praia, onipotentes senhores, que teem a mão na policia e o administrador do concelho e falam de papo, entricheirados nas casas de vício e de exploração que são os chamados Casino Peninsular e cafés Europa e Hespanhol; suspiro de alívio por julgarem ter-se visto livres de quem lhes põe a calva á mostra, interpretando o sentir de toda a gente honesta e trabalhadora, que vê no jogo um prejuízo para os seus legítimos interesses.
Mas enganam-se os cavalheiros da indústria do jogo. Eu cá estou. (…)
Tivessem as autoridades a noção simples do dever que são obrigadas a cumprir, e há muito que a nossa praia estaria limpa d`esses senhores, que vassouram para a burra dos patrões avaros e rapaces o que a ingenuidade e o vício atiram para cima do tentador pano verde. E limpa também d`esses mesmos patrões que mal sabem ler e escrever, cuja origem e procedência é quasi sempre incerta, mas que passeiam a sua sobranceria, acotovelando com desprezo as pessoas que ganham honradamente a sua vida.
(…)
Fechem-se as batotas! Cumpra-se a lei…"
António Amargo, O Figueirense, 10 de Setembro de 1922, via ÁLBUM FIGUEIRENSE.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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