Balanço da notícia da semana em Portugal:
"As miúdas mereciam um enxerto de porrada, as miúdas já tiveram a sua dose e estão arrependidas, os pais das miúdas é que são os culpados porque não lhes deram educação, os pais das miúdas é que são os culpados porque não lhes deram porrada, os pais das miúdas não têm culpa nenhuma e são gente de bem e estão de rastos, as miúdas deviam ir para um internato, as miúdas deviam ter uma nova oportunidade, se o miúdo fosse meu filho eu ia à Polícia, se o miúdo fosse meu filho eu ia atrás das miúdas para lhes dar uma coça, o miúdo fez bem em não se defender, o miúdo nem se tentou defender, o miúdo alguma coisa deve ter feito, as miúdas não tinham noção da gravidade do que faziam, as miúdas sabiam bem como era grave e até paravam a porrada quando pressentiam alguém, a escola é que tem a culpa, os pais é que têm a culpa, a sociedade é que tem a culpa, as redes sociais é que têm a culpa, eu nem consegui ver mais que dez segundos que quase tive um afrontamento, eu não vi mas contaram-me."
Tudo isto, apenas, porque os telemóveis têm câmara de filmar!..
Em nosso redor a degradação humana avança e o travão não funciona.
Hoje, o que interessa a dignidade de uma vida, que valor têm os princípios ou as ideias?
Hoje, o que conta é o telemóvel que usas e as filmagens que consegues fazer com ele...
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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