“... o artigo era sobre call centers, linhas de montagem de telefonistas discando que são o mesmo
que Charlot aparafusando no Tempos Modernos e por ordenados equivalentes aos desses tempos
antigos. Pois essa regressão desumana seria "uma oportunidade extraordinária"
para a nossa economia. Uma conjunção de fatores - "competências em línguas
estrangeiras, boa infraestrutura tecnológica, salários baixos e desempregados
em desespero" - faria de Portugal um paraíso para as centrais de
atendimento. A homens trolhas e mulheres com bigode, as duas características
com que nos pintam mal, juntar-se-ia a nossa mania para iniciar qualquer
conversa, assim: "Em que posso ajudá-lo?" E em várias línguas! Triste
desandar de um povo que deu mundos ao mundo, ser destinado a esperar que o
mundo venha ter com ele em chamadas telefónicas. No dizer de um dos
entusiasmados com os call centers, a
nossa estrutura tecnológia é boa e a nossa rede de fibra é a melhor do mundo. À
partida isso parecia ser uma boa notícia, não é? Pois, pelos vistos, parece que
vamos ter de pagar por isso... Pergunto: de que me vale telefonar a pedir
socorro se é um português que me atende?”
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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