quinta-feira, 30 de maio de 2013

Curiosidades marginais (III): Porto Comercial e Zona Industrial e os erros estratégicos de localização

O assoreamento do Rio Mondego é um problema antigo e complicado. Mas, para a Figueira, nem tudo sempre foram desvantagens.
Antes do século XI, o Mondego navegável era a estrada natural para o comércio existente nos princípios da nacionalidade. Coimbra, Soure, Verride, Montemor-O-Velho eram então importantes praças comerciais e influentes portos fluviais no centro do país. Por sua vez, a Figueira limitava-se a ser um pequeno ponto localizado na foz do Mondego.
A partir do século XII, porém, o assoreamento do Mondego, com a natural perda da navegabilidade que daí resultou, fez com que um pequeno povoado pertencente ao concelho de Tavarede viesse a ganhar actividade e importância e se desenvolvesse até à cidade na moda, cosmopolita, mas ainda provinciana, dos dias de hoje.
E tudo começou, em boa parte, por há cerca de oitocentos anos o rio ter começado a ficar impraticável para a navegação. Como em tantos outros casos, o mal de uns foi a sorte de outros.
O rio e o porto estão associados ao crescimento da Figueira e são factores de desenvolvimento concelhio, pelo que deveria ter havido (e continuar a haver) o máximo de cuidado e planeamento na execução e expansão das obras portuárias.
As razões são óbvias: basta verificar qual será a função principal do porto comercial.
Fácil de responder: proporcionar o escoamento a mercadorias da zona centro do país, em especial das empresas sediadas na zona industrial da Figueira da Foz e das celuloses.
Sendo a Figueira, como sabemos, um porto problemático a vários níveis, nomeadamente por sofrer a influência das marés, enferma de um erro estratégico de fundo: a localização. A teimosia, ou a falta de visão, em manter o porto comercial na margem norte é um factor condicionante para as condições de funcionalidade da estrutura portuária.

Duas razões simples:
1º. Se estivesse na margem sul estaria mais perto das fábricas, o que pouparia as vias de comunicação que dão acesso ao porto comercial e evitaria a sobrecarga no tabuleiro da ponte da Figueira.
2º.  Principalmente no inverno, os navios acostados no cais comercial têm frequentes problemas de segurança, ao ponto de, por vezes, ser necessária a sua deslocação para a zona abrigada do porto de pesca com as demoras e despesas daí resultantes, o que torna mais onerosa e menos operacional a vinda dos navios à barra da Figueira.

Tempo é dinheiro no competitivo mercado dos transportes marítimos. O mal, contudo, está feito, mas não pode ser escamoteado. Até porque a vinda para a margem sul do porto de pesca não foi inocente. Era poluente ...
Também podemos aprender com os erros. E erro estratégico foi, igualmente, a implantação da zona industrial logo a seguir à zona habitacional da Gala, quando teria sido perfeitamente possível e fácil a sua deslocação mais para sul, possibilitando assim a criação de uma zona tampão entre as fábricas e as residências.
É uma questão pertinente, apesar do optimismo que aí vai com a notícia da implantação de uma fábrica que, segundo a responsável pela gestão do Parque Industrial, “é o maior projecto”, desde que a câmara tomou posse dos terrenos da zona industrial.
Com erros, ou sem erros, porto comercial e zona industrial são estruturas complementares no progresso e desenvolvimento do nosso concelho. Contudo, convém que o planeamento seja devidamente sustentado, pois erros já foram cometidos bastantes. Apesar dos alertas feitos em devido tempo.
Historicamente é conhecido que a ocupação espanhola dos Filipes foi penosa para Portugal. Na Figueira, conforme pode ler-se no Manifesto do Reino de Portugal, “nos séculos XV e XVI até as pescarias não eram seguras, porque nos nossos portos tomavam mouros e turcos as mal defendidas barcas de pesca; cativavam e faziam mercadoria humana dos miseráveis pescadores; e ainda se atreviam licenciosa e insolentemente ao mesmo nos lugares marítimos, como senão tiveram rei que os pudesse defender; e proibida a pescaria faltava ao reino uma considerável parte do seu sustento”.
Isto aconteceu na dinastia dos ocupantes Filipes. Nesse tempo, mouros, turcos e habitantes do norte da europa, todos piratas, saquearam e flagelaram Buarcos e a Figueira. Essa realidade só veio a mudar com a independência, a partir de 1640.
Todavia, só em meados do século XVIII o porto da Figueira conheceu o esplendor, beneficiando, é certo, de um factor exógeno: a quase inutilização da barra de Aveiro. Mais uma vez, o mal de uns foi a sorte de outros.
A região interior centro passou a processar o movimento de importação e exportação das mercadorias pelo porto da Figueira, a tal ponto que embora com demoras, dificuldades e riscos, a nossa cidade “ foi considerada a terceira praça comercial e marítima do país do século XIX”.
De então para cá aconteceram períodos mortos, avanços, recuos, estudo e mais estudos técnicos, ilusões, desencantos, mentiras, mas, nas últimas dezenas de anos, apesar de tudo, avançou-se desde o cais de madeira obsoleto e podre, apenas equipado com uma grua a vapor, tempos esses aliás ainda presentes na nossa memória.
Pena foi o cais comercial ter morto e enterrado as memoráveis regatas de outros tempos. Também por isso, porque é que não o implantaram na margem sul?

Em tempo.
Crónica Marginal de  António Agostinho, 18 de Junho de 2001, publicada no jornal Linha do Oeste     

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